Muito boa esta matéria assinada pelo jornalista Magno Martins, publicada em seu blog, que fazemos questão de reproduzir, dada a sua importância:
Na semana passada, minha passagem por Brasília foi muito importante para sentir que podemos estar vivendo um dos momentos mais críticos da República. Alguns senadores, deputados e figuras importantes consideram que talvez seja uma encruzilhada tão crítica quanto a que se observou em 1930 e 1964.
O resumo das conversas vou relatar aqui de forma muito simples. Em termos internos, vivemos sob um presidente que tinha um plano baseado no sucesso econômico retumbante do seu “posto Ipiranga”. Esse sucesso seria a base para enfrentar e destruir as instituições da República, especialmente o Congresso e o Judiciário.
Para isso, Bolsonaro fez uma aliança com partes da alta cúpula das Forças Armadas, montando um governo mais militarizado do que o próprio regime militar. Para ganhar não apenas a cúpula, mas também toda a base, fez uma “reforma” especial que beneficiou de maneira sistêmica todos os membros das Forças Armadas.
Adicionalmente, e de forma ainda mais perigosa, com base nos imensos benefícios concedidos às Forças Armadas, Bolsonaro está montando uma onda de pressão em favor das polícias militares para que os mesmos recebam benefícios similares às Forças Armadas. Mesmo sabendo que os governos estaduais estão quase todos financeiramente quebrados.
O exemplo recente do Ceará desnuda essa movimentação. Por exemplo, quando o coronel Aguinaldo de Oliveira, diretor da Força Nacional de Segurança, chamou os policiais amotinados de “gigantes”, além de outros elogios de estímulo, ficou clara a jogada do grupo de Bolsonaro liderar os movimentos das polícias militares, agregando um contingente de homens armados maior até do que o Exército, a Aeronáutica e a Marinha juntos.
Ocorre que Bolsonaro não contava com o fiasco econômico do seu “posto Ipiranga”. Ele só tinha essa bala na agulha e o tiro falhou. Ele não percebeu que Paulo Guedes não tinha absolutamente nenhuma experiência no setor público, jamais gerenciou qualquer repartição e veio de uma cultura muito limitada e específica do mercado financeiro. Mesmo assim, entregou um mega ministério, similar ao que Collor fez com a Zélia Cardoso de Mello, juntou Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio, além de outros penduricalhos.
Os senadores, deputados e outros conhecedores de Brasília consideram que esse fiasco vai custar muito caro a Bolsonaro. Sem uma economia forte não pode ter popularidade, nem governo forte. Os conflitos internos tenderão a crescer e sair do controle. A grande maioria dos comandantes das Forças Armadas tem lucidez e em nenhuma hipótese irão apoiar uma aventura autocrática insana. Pelo contrário, devem servir de força moderadora para evitar uma explosão social descontrolada, como está acontecendo, por exemplo, no Chile atualmente.
Ocorre que o poder subiu à cabeça de Bolsonaro. No lugar de se fortalecer politicamente, ele foi para a linha do conflito. Rompeu logo com o seu maior apoiador e operador, o ex-ministro Gustavo Bebiano. Depois tentou destruir de maneira violenta o político profissional que mais acreditou nele que foi o deputado Luciano Bivar. Até mesmo militares altivos, como o general Santos Cruz, homem lúcido e equilibrado, foi humilhado pelo presidente. Dizem que agora até o próprio general Luiz Eduardo Ramos Pereira já foi colocado na frigideira por Bolsonaro.
Ou seja, o trem está descarrilhando dentro dos próprios apoiadores de Bolsonaro. Tudo por conta única e exclusiva dele mesmo, o presidente. Cada dia são novos conflitos internos que se repetem. Isso tem gerado uma insegurança crescente dentro da cúpulas das Forças Armadas, que não tem confiança no equilíbrio e na capacidade de liderança de Bolsonaro.
Não podemos esquecer do vice-presidente Hamilton Mourão, general quatro estrelas, também foi perseguido pelo presidente e seu entorno. Mourão, dentro do seu preparo, se recolheu e fica no aguardo dos acontecimentos. Deixou de se movimentar com total liberdade, passou a se comportar com disciplina militar, mas é o substituto constitucional para qualquer eventualidade, inclusive de um possível afastamento de Bolsonaro.
Vale não esquecer que o general Mourão assumiu posições progressistas, tem simpatia de amplas parcelas da oposição e de todos os grupos bolsonaristas arrependidos, tanto políticos quanto empresários.
Certamente, entre os próprios militares ele goza do mais integral respeito. Dessa forma, segundo membros importantes do próprio governo e da oposição consideram que Mourão representa uma pacificação nacional, unindo civis e militares para enfrentar esse momento que se afigura como dramático.
Não podemos esquecer que Bolsonaro tem um entorno altamente tóxico em termos de gerar crises. Primeiro vem a família. O filho mais velho, senador Flávio, está envolvido num escândalo gigantesco que revela os vínculos profundos da família com as milícias e práticas crônicas de corrupção.
Ele então retirou do pai a autoridade moral para falar contra a corrupção. O segundo filho, o famoso Carluxo, é um dos grandes geradores de confusão, atacando tudo e todos, liderando as “milícias eletrônicas”. Já o terceiro então é o maior foco de problemas, desde que falou que para fechar o STF basta um cabo e um soldado, depois defendeu um novo AI 5 que fecharia o Congresso, fora outros absurdos delirantes.
Segundo quase todos ouvidos por este blogueiro, a maior força junto a Bolsonaro está exatamente na família. E aqui não se pode esquecer o mentor dos filhos: o “filósofo” e fazedor de horóscopos Olavo de Carvalho. A partir das diretrizes definidas no Estado de Virgínia, existe toda uma guerra contra as próprias Forças Armadas, as igrejas católica e neopentecostais e naturalmente a esquerda como um todo.
Ontem mesmo o famoso pastor Malafaia atacou Olavo dizendo que “o ‘guru’ é um astrólogo idiota que traz problemas ao País ao invés de contribuir. O que esperar de um idiota? Idiotices!”. Ou seja, os evangélicos, grandes apoiadores de Bolsonaro, estão agora sofrendo ataques do “guru” da família presidencial, passando a assumir uma postura de crescente arrependimento por ter feito uma opção equivocada.
No núcleo central dos ataques entram as instituições que formam a base mesma de nossa estrutura constitucional: os outros dois poderes, o Legislativo e o Judiciário. Esses são foco permanente de ataques de Bolsonaro e dos membros da sua família. A famosa manifestação do dia 15 de março de 2020 tem como objetivo exatamente destruir esses dois pilares essenciais para a existência do chamado “estado democrático de direito”.
Bolsonaro e sua trupe querem exatamente acabar com quem faz as leis (o Congresso) e quem as aplica (o Judiciário). Ou seja, as lideranças com quem falamos em Brasília estão em estado de choque e alarme, pois o projeto em curso é de uma barbárie extrema. E no caso não seria propriamente um “ditadura militar” mas sim uma ditadura pessoal, como foi a de Getúlio Vargas.
Ocorre que as “elites” brasileiras estão acordando agora e vendo o comportamento altamente responsável e cuidadoso de nossos líderes no parlamento e no judiciário. Todos procuram evitar conflito, fogem da chamada à briga que Bolsonaro quase diariamente repete. Mas, se pergunta, até quando isso pode continuar?
Até quando as ameaças para destruir a imprensa livre, pilar central das liberdades civis, irão continuar? Ataques pessoais, morais, violentos, não só contra as instituições, a exemplo da Folha de São Paulo e da Rede Globo, mas também a jornalistas que são difamadas de forma criminosa e violenta. Essa perplexidade cresce a cada dia.
O mundo empresarial, quase sempre oportunista e dominado pela ganância, sobretudo os grandes bancos e os mega grupos empresariais, estavam celebrando e adorando Bolsonaro. Mas agora com o pibinho e as perspectivas de crise econômica grave, já estão revendo posições e buscando alternativas que melhor protejam os seus interesses mesquinhos.
Pelo quadro acima, Bolsonaro caminha para um isolamento crescente. Apenas os fanáticos irracionais é que insistem em apoiar essas verdadeiras alucinações macabras contra as liberdades. O presidente constrói, por ele mesmo, a sua derrocada.
Felizmente, conforme a maioria dos que ouvimos em Brasília, existe uma luz no final do túnel em favor das liberdades civis e pela manutenção do “estado democrático de direito". Confiam que há como se construir a união da esmagadora maioria dos congressistas, das principais lideranças militares da ativa, dos líderes do Judiciário, de parte lúcida do empresariado e da sociedade civil.
Em todo caso, existe o risco de grandes embates de rua, pois se pensa que Bolsonaro necessita do caos social e político para poder ainda tentar o “sonho” de instaurar um novo AI-5. Ainda bem que o Brasil não vai permitir a realização do que seria o mais tenebroso pesadelo.