O jornalista Paulo Moreira Leite publicou um longo artigo na Revista Época,
fazendo uma análise lúcida sobre o julgamento do mensalão, o
comportamento do procurador geral da República e a obsessão dos
oposicionistas em atingir o ex-presidente Lula. Selecionamentos os
trechos mais importantes e reproduzimos no post abaixo.
QUEM NÃO TEM VOTO CAÇA COM MARCO VALÉRIO
O alvoroço provocado pela notícia
de que Marcos Valério pode ter informações comprometedoras contra Lula, Antônio
Palocci e até sobre o caso Celso Daniel chega a ser vergonhoso.
Desde a denuncia de Roberto Jefferson que Valério tem demonstrado
grande disposição para colaborar com a polícia.
Foi ele quem entregou a relação de 32 beneficiários das verbas do
mensalão, inclusive Duda Mendonça.
Conforme os advogados de um dos réus principais, ao longo do processo
Valério fez quatro tentativas de oferecer novas delações em troca de uma
redução de sua pena. As quatro foram rejeitadas.
O estranho, agora, não é a iniciativa de Valério, mais do que
compreensível para quem se encontra numa situação como a sua. Não estou falando
apenas dos 40 anos de prisão.
As condenações de José Dirceu e José Genoíno se baseiam em
"não é possível que não soubessem", "não é plausível",
"um desvio na caminhada" e assim por diante.
Eu acho legítimo pensar que deveriam ser questionadas em novo
julgamento, o que certamente poderia ser feito se tivessem direito a uma
segunda instância, como vai ocorrer com os réus do mensalão PSDB-MG que foram
desmembrados nestes "dois pesos, dois mensalões," na antológica definição
de Jânio de Freitas.
Na prática, os adversários de Lula querem que Valério entregue aquilo
que o eleitor não entregou.
Nos últimos meses, com o julgamento no mensalão, os adversários de Lula
pensavam que seria possível reverter o ambiente político favorável a
Lula, no país inteiro. É este ambiente que coloca a reeleição de Dilma no
horizonte de 2014, embora muita enxurrada possa passar por debaixo da ponte.
Mas, no momento, essa perspectiva, para a oposição, é insuportável e dolorosa –
até porque ela não foi capaz de reavaliar suas sucessivas derrotas do
ponto de vista político, não fez um balanço honesto dos acertos do governo
Lula, o que dificulta aceitar que o país tem um presidente popular como nenhum
outro antes dele, a tal ponto que até postes derrotam medalhões vistos
como imbatíveis. No seu apogeu, a ideia de renovação sugerida por FHC foi
descartada como proposta petista por José Serra. Assim fica difícil, né?
(Vamos homenagear os postes. Essa
expressão foi cunhada por uma das principais vozes da luta pela democratização,
Ulysses Guimarães, para quem "poste" era o candidato capaz de
representar os interesses do povo e da democracia, mesmo que fosse um
ilustre desconhecido. Certa vez, falando sobre a vitória estrondosa do MDB em
1974, quando elegeu 17 de 26 senadores, Ulysses falou que naquela eleição o
partido elegeria "até um poste." Postes, assim, são candidatos que
entendem o vento da sua época.)
Semanas antes da eleição do poste Fernando Haddad, o procurador
geral Roberto Gurgel chegou a dizer que ficaria muito feliz se o julgamento
influenciasse a decisão do eleitor. Muita gente achou natural um procurador
falar assim.
Eu não fiquei surpreso porque sempre achei a denuncia politizada
demais, cheia de pressupostos e convicções anteriores aos fatos. Eu acho que a
denuncia confunde aliança política com compra de votos e verba de campanha com
suborno, o que a leva a querer criminalizar todo mundo que vê pela frente –
embora, claro, tenha sido seletiva ao separar o mensalão PSDB-MG, como
nós sabemos e nunca será demais lembrar. Mas não achei o pronunciamento do
procurador natural. Em todo caso, considerando a liberdade de expressão...
Mas a fantasia oposicionista era tanta que teve gente até que se
despediu de Lula, lembra?
Embora o julgamento tenha caminhado na base do "não é
plausível", "não poderia ter sido de outro jeito "e outras
considerações pouco conclusivas e nada robustas, faltou combinar com o eleitor.
Em campanha própria, com chapa pura, os adversários de Lula
tiveram uma grande vitória em Manaus. Viraram a eleição em Belém onde o PSOL
não quis apoio de Lula. Ganharam em Belo Horizonte em parceria com
Eduardo Campos, que até segundo aviso é da base de Lula e Dilma.
O PT cresceu no número de prefeituras, no número de votos em
escala nacional, e também levou o troféu principal da campanha, a prefeitura de
São Paulo. Mesmo com a vitória em Salvador, os partidos conservadores, à
direita do PSDB, tiveram a metade do eleitorado reunido em 2008. Isso aí:
perderam 50% dos votos.
É neste ambiente que Valério passa ter importância. Quem não tem voto
caça com Valério.