Entrevistada pelo jornalista Magno Martins, Ana Arraes, conselheira do Tribunal de Contas da União e ex-deputada federal, revelou “indignação” com o neto João Campos, deputado mais votado do PSB de Pernambuco e seu neto.
Ana Arraes considera que João foi “mau educado e desrespeitoso”, quando num pronunciamento na Câmara, em Brasília, criticou o advogado Antônio Campos. Ela defendeu o filho e confessou estar decepcionada com o neto.
Entrevista repercutiu em Pernambuco e até em outros estados, pelo que Ana e seu neto representam. Pré-candidato à prefeitura do Recife, João parece ter dado “um tiro no pé” ao atacar Antônio Campos. Recebeu resposta violenta do tio e agora um puxão de orelha da avó.
Marília Arraes, também da família e pré-candidata no Recife pelo PT, termina sendo beneficiada indiretamente pela incontinência verbal de João Campos. Este tem de lembrar das lições de Miguel Arraes e Eduardo Campos para não cometer deslizes, principalmente os que geram uma crise familiar.
Pela importância da entrevista realizada por Magno Martins, transcrevemos a mesma na íntegra, logo abaixo.
Foi uma opção da senhora ficar em silêncio esse tempo todo, evitando entrevistas?
Não, é uma questão de trabalho. Lá no Tribunal não podemos falar sobre algumas matérias, como, por exemplo, a política. E eu que tinha um cargo político, meu assunto maior era esse.
Como tem sido sua experiência no Tribunal de Contas?
Eu sou a segunda mulher a exercer o cargo de ministra do Tribunal de Contas no Brasil, como também fui a segunda deputada federal por Pernambuco.
Sair da política para cair Tribunal de Contas foi uma experiência muito impactante ?
Foi uma diferença de atividade. Quando a gente está na Câmara dos Deputados é algo político, você cria leis, fiscaliza. Já o TCU (Tribunal de Contas da União) é um órgão auxiliar da Câmara, então a gente já tem uma certa ligação. Para mim, foi um desafio, pois eu já tinha sido deputada, mas o TCU foi um trabalho importante para a economia do Brasil, já que fiscalizamos obras e dinheiro do Governo Federal. Por exemplo, nós aprovamos com ressalvas as contas da ex-presidente Dilma Roussef. No próximo ano eu serei a presidente do Tribunal, um desafio muito grande para mim e para as mulheres. Nós precisamos que as mulheres participem das atividades importantes da nossa pátria, combater aquilo que não está sendo prestado com dignidade e lisura.
A senhora acha que o espaço da mulher na política ainda é muito pequeno? E o Congresso é machista?
O espaço ainda é muito pequeno. Basta ver na Câmara, Assembleia... nesses lugares são poucas vagas que são ocupadas por mulheres. Eu quebrei um tabu sendo a deputada mais votada do País. E em relação ao machismo, tem uns que são, outros que não.
E chegar como filha de Arraes no Congresso fez diferença?
Fez sim. As pessoas tinham muito respeito pelo meu pai e sabiam que ele tinha contribuído muito para que a pobreza tivesse vez e voz. Papai era uma pessoa muito sensata, firme, sabia o que queria. Ele conseguiu uma grande vitória para os trabalhadores da cana, que não recebiam nem dinheiro, era um papel para tirar a comida no barracão do engenho. Não tinham cama, nada. Papai fez uma reunião juntando todos e foi instituído o primeiro salário mínimo no Campo no Brasil.
Que balanço a senhora faz do seu mandato na Câmara?
Fiz muito pelo social. Por exemplo, na educação eu não sabia que só os meninos que estavam no primário não tinham merenda. Os meninos vieram falar comigo em uma das visitas tinham alimentação. Saindo de lá, passei no Palácio para falar com Eduardo (Campos) que era o Governador da época e relatei a situação. Ele disse: "Minha mãe, eu já sei. Já fiz os cálculos e dá R$ 5 milhões". Eu falei: "Pois gaste" (risos). Depois, fui a Brasília para criar um projeto de lei para que a merenda fosse dada a todos esses meninos. Ressuscitei um projeto do ex-presidente Lula que estava arquivado e hoje todos os meninos de escola pública têm merenda. Eu também trabalhei muito na Comissão de Defesa do Consumidor, Constituição e Justiça e sempre com o olhar para quem mais precisa.
Recentemente, o seu neto João Campos participou de um debate na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e não foi muito feliz em declarações contra o seu filho Antônio. Como a senhora viu esse episódio?
Com muita indignação. Eu acho que ele ultrapassou os limites da sua tarefa de deputado, do local de onde ele dizia e sobretudo do teor. Antônio Campos, meu filho, é uma pessoa de bem, trabalhadora, direita e eu já adverti, através de uma nota, que não admitiria esse tipo de desrespeito na minha família. Eu sou acostumada a respeitar os meus parentes, mesmo se a gente não concorda com alguma coisa. Foi muito desagradável, uma falta da educação e prepotência. Inclusive, falou errado a língua portuguesa. Dirigiu-se ao ministro como "você". Um parlamentar tem obrigação de saber que tem que tratar com os pronomes próprios daquela categoria. O conteúdo que ele disse não é verdade e meu pai sempre exigiu que sempre nós tivéssemos respeito pelas pessoas. João me entristeceu muito, fiquei revoltada e não tive nenhuma palavra dele até agora. A mãe dele (Renata Campos) deveria dizer para ele me respeitar.
Há um distanciamento da família com ela (Renata)?
Com isso, sim. Eu passo muito tempo em Brasília, mas sempre fui lá. Muito mais lá, do que ela cá. Agora, resolvi não ir. Quem quiser que venha aqui.
E João antes era o seu xodó, não?
Não, meu xodó é Zé (risos). E Pedro, também. Pedro é muito inteligente.
O que João Campos herdou do pai, politicamente?
Não quero falar sobre isso.
O legado que Arraes e Eduardo deixaram em Pernambuco está sendo posto à frente?
Eu ando distante desse foco. Mas eu acredito que cada pessoa é uma pessoa. Os legados são deixados e algumas pessoas aproveitam e outras resolvem fazer seus próprios legados. O legado de Eduardo foi grande. A escola de Pernambuco era a pior, virou a melhor. Eduardo também era uma pessoa de um trato muito ameno com todos. Respeitava os opositores e seguidores. Era um democrata.
Eduardo se preocupou em deixar Geraldo Júlio e Paulo Câmara para seguir o seu legado. Qual a senhora acha que está indo melhor?
Eu não tenho muita ideia, pois não vivo aqui. Não tenho condições para julgar. Nem ouço muito falar.
A senhora é filha de Arraes e mãe de Eduardo e nunca interferiu no Governo. A viúva (Renata Campos) interfere?
Não sei, só perguntando a ela. Eu não interfiro, pois estou em outra área distante da atividade política. Eu tenho muita solicitação de pessoas pedindo ajuda, em hospital e resolvo tudinho (risos).
Arraes morreu frustrado por não ter sido presidente da República?
Não, meu pai não era homem de frustração, era um sertanejo. Aguentava as coisas.
A senhora lembra do dia que ele foi afastado do Governo?
Lembro. A gente morava no Palácio, e quando foi de madrugada, meu pai veio no meu quarto. Ele disse: "Minha filha, queria você que arrumasse as coisas dos seus irmãos, por que vocês vão para a casa da sua avó". Aí eu fui correndo e pela primeira vez nós saímos num carro que tinha gente armada dentro. Ele nos levaram e ficamos aguardando. Nas esquinas da casa ficavam investigadores, várias vezes entraram na nossa casa, procurando algo ligado ao comunismo... meu pai era um cristão. Nunca usou a religião para a política, por que sabia que a religião era algo muito mais fino do que a política.
A senhora estaria mais feliz se tivesse seguido a obra política de Miguel Arraes e Eduardo Campos e não como ministra julgando contas?
Não sei. Mas eu posso voltar, quando me aposentar, daqui a dois anos. Tenho 72 anos, quando tiver 74, posso ser candidata a tudo (risos). Mas o Senado não, é como meu pai dizia: "É coisa de velho" (risos). Vamos ver.
Como a senhora avalia o trabalho da sobrinha Marília Arraes na política?
Eu tenho pouca informação sobre as atividades de Marília e de João (Campos), também.
Se houver um embate entre os dois, a senhora vai tomar partido?
Não sei, vamos ver. Tem que saber como vão se desenrolar as coisas e esperar.
Como a senhora soube da morte do seu filho Eduardo Campos?
Eu estava na sessão de posse de Ministro. O presidente à época era Augusto Nardes e ele me chamou no gabinete dele. Lá, soube da notícia e pela primeira vez na vida tive pressão alta, quase morro. Tomei injeção na veia nos dois braços. Aí viemos para Recife e começou a pesadelo do único pedido que fiz a Deus, que era morrer antes dos meus filhos. Ele era um filho muito bom, estudioso, amigo, ameno... as qualidades que ele tinha foram exaltadas pelos cargos que ele exerceu com honra e amor. Pensou nos que precisam mais e melhorar o Estado de Pernambuco. Depois daquela entrevista no Jornal Nacional, falei com ele, ele estava feliz e eu só disse pra ele honrar o nome dele e o de Pernambuco.
A senhora acha que ele seria o presidente se não fosse o acidente?
Acho. Ele tinha tudo para ser presidente. Tinha preparo, inteligência, sabia cuidar das pessoas, com uma coisa de igualdade e fraternidade, que ele tinha desde menino.
Acredita em sabotagem no avião dele?
Eu não sei, tem perícias sendo feitas. Eu duvido de tudo. O avião era novo, né? Se fosse um avião velho...
O que mudou na sua vida depois da morte de Eduardo?
A ausência dele é muito grande. Às vezes em casa eu choro. Foi mais impactante do que a morte do meu pai. Meu pai estava velho, mesmo lúcido. Mas a pessoa na flor da idade, morrer, podendo ser tão útil para o Brasil? Foi muito precoce.
Foi o prestígio de Eduardo que fez a senhora virá ministra?
Eu acho que influenciou, sim. Tinham muitos deputados que eram colegas dele e meu. Foi toda uma conjuntura. Eles sabiam que os Arraes são gente direita.
Antônio Campos tem vocação para política?
Eu acho que ele tem. É inteligente, capaz. Mas eu deixo as coisas aflorarem, embora dou conselhos.
Qual a mensagem que a senhora deixa para os pernambucanos?
Eu desejo que esse seja um ano de muita luz, muito trabalho e oportunidade para as pessoas se empregarem. Quero que haja muita alegria, bom para todo mundo, que as perdas materiais sejam pequenas e que Deus nos proteja e nos guarde para que a gente rompa um novo ano.
*Foto: Poder 360