Por Roberto Numeriano*
A campanha ao governo do Estado de Pernambuco, restando trinta dias para o seu início oficial (7 de julho), terá, pelo menos, dois candidatos de peso já confirmados na disputa: o senador Armando Monteiro (PTB) e o governador Paulo Câmara (PSB). A candidatura da vereadora Marília Arraes (PT) ainda é uma incógnita política, pois o partido repete a sua velha sina de sangrar a si mesmo entre as disputas de grupos e projetos pessoais.
Some-se ou não à disputa com o nome histórico do avô de Marília, o fato é que as marchas e contramarchas petistas, bem como as conversações internas à coligação de Monteiro e as costuras governistas do palanque de Câmara, revelam o peso de uma variável que poucas vezes foi tão importante no cálculo da majoritária para governador: quais são os nomes mais fortes ao Senado da República e que perfil ideal devem apresentar numa eleição que tende a ser polarizada e plebiscitária, em face da crise de governança, apatia do eleitorado, descrédito das instituições políticas e radicalização político-ideológica?
Até agora, assumiram-se como pré-candidatos ao Senado os deputados federais Sílvio Costa (Avante), Mendonça Filho (DEM), Jarbas Vasconcelos (MDB), e André Ferreira (PSC), além do senador Humberto Costa (PT), com a ressalva de que estes dois últimos ainda dependem de tratativas políticas internas aos partidos (e costuras de possíveis coligações), sobre cujas variáveis eles não possuem controle. Seja o que for, estão postos na cena política e devem aqui ser avaliados nos limites ponderáveis de suas características individuais, histórico político e possibilidade de alianças.
A rigor, este cálculo deve ser mais refinado porque a disputa em curso não pode se restringir à velha contagem de garrafinhas quanto a quem agrega mais em termos de número de votos potenciais. Aliás, esta prática eleitoreira tem nos legado, historicamente, muitos senadores medíocres ou mesmo nulos na ação parlamentar, sendo rara a presença, nas últimas três décadas, de nomes cujo mandato foi exemplar no plano de uma ação parlamentar qualificada e dinâmica.
Não é por acaso que muitas vezes já observamos senadores pernambucanos que mais se assemelhavam aos coronéis de antanho, sentados nas poltronas do Senado como se estivessem no terraço de uma casa-grande. Uma dessas exceções foi o mandato do senador Armando Monteiro, o qual acompanhei sobretudo depois de, na campanha de 2014, tê-lo considerado candidato muito mais preparado do que o preposto de Eduardo Campos. Justamente porque já é um pré-candidato de oposição (além de encerrar este ano o seu mandato e, provavelmente, pensar com mais critério nos nomes ao Senado), iniciamos pelo palanque de Monteiro uma ponderação dos principais nomes em torno dos quais parece se costurar a majoritária senatorial.
O que à primeira vista nos sugere os nomes de Mendonça Filho e André Ferreira, até aqui previamente colocados, é que esta oposição quer buscar o eleitor de perfil político-ideológico conservador (o qual integra, em geral, as camadas de faixa salarial e de nível de escolaridade mais altas), e ao mesmo tempo pretende ter penetração nas camadas mais pobres da população. Mendonça, pelo histórico eleitoral, é um nome natural que se encaixa melhor naquele primeiro perfil. No entanto, no caso do deputado Ferreira, duas questões devem ser ponderadas quanto ao seu perfil político-ideológico e a variável eleitor de baixa renda e baixa escolaridade (esmagadora maioria da população).
A primeira trata do seu atrelamento incondicional a uma agenda religiosa notadamente evangélica conservadora em termos morais e políticos per se. Sem querer fazer juízo de valor dessa agenda (somos da opinião, aliás, que as instituições religiosas devem mesmo dialogar também na seara política com as filiações de fé e as ideologias políticas), o fato é que o voto do eleitor evangélico de baixa renda e escolaridade não é necessariamente coeso – nem em termos de filiação religiosa, nem em termos político-ideológicos.
As diversas denominações evangélicas com projetos de poder são ainda mais radicais do que a esquerda-raiz (tipo PSOL e PSTU, por exemplo) em formalizar consensos políticos na disputa do voto. Considero que se um nome como o de Ferreira soma fortemente ao potencial de voto do palanque de Monteiro com os professos de sua fé, também bloquearia a agregação dos votos de outras denominações com seus próprios projetos de poder. Aliás, tais projetos de inspiração religiosa evangélica carregam um forte perfil familista e fechado, refratários a agregar grupos e forças políticas de caráter laico.
A segunda questão diz respeito ao discurso radical evangélico sobre moral e costumes. Se uma visão mais liberal é mesmo uma constante de curva ascendente no que se refere aos temas da sexualidade, da família, dos costumes etc, cremos que um palanque com uma radical voz dissonante nessas agendas vai destoar no meio dos eleitores em geral, para além dos professos evangélicos da denominação de Ferreira. Seria uma aposta alta e arriscada fechar com um perfil dessa natureza restritiva.
Já no palanque de Câmara temos praticamente como certa a pré-candidatura do deputado Jarbas Vasconcelos, o qual, cremos, disputaria aquele tipo de voto do perfil dominante do eleitorado de Mendonça (urbano e conservador). Enfraquecido em voto e poder de influência, Jarbas, parece-nos, vive um ocaso político que talvez tenha relação com as suas escolhas ideologicamente erráticas na última década política. Não é água nem é vinho, o que em política significa dizer que tanto faz ele estar ou não ali no palanque, disputando um voto majoritário.
Por fim, cabe ainda ponderar sobre os nomes de Humberto e Sílvio, os quais podem estar ou não num possível palanque de Marília. Humberto tenta ser o candidato à reeleição na coligação de Câmara. Trata-se de buscar uma estrutura eleitoral que garanta sua penetração pelo agreste e sertão, no andor daqueles que até dia desses espalharam no estado que “o PT matou Eduardo Campos”. Não será nada fácil articular esse discurso ao lado de Câmara e do prefeito Geraldo Júlio e convencer os eleitores de que o PSB e o PT defendem o mesmo projeto socioeconômico e político no plano estadual e nacional.
Se ele lograr êxito (o que significará que Marília terá mesmo sido rifada pela maioria do partido), vai se esgoelar pedindo votos no palanque de uma tropa que não teve nenhum respeito e consideração pelo maior eleitor pernambucano, o ex-presidente Lula, nem pelo governo de Dilma, patrocinando o golpe de Estado de 2016. Neste ambiente, Humberto nem somaria com os votos da militância petista, nem com os eleitores de centro-esquerda. Para quem pretende disputar uma majoritária de caráter plebiscitário, significa perder uma metade toda, sem cogitar somar algo da outra.
A candidatura de Sílvio Costa está decidida, mas, em face da variável Marília, resta saber qual seria a coligação a albergar o seu nome, o qual vem se projetando de modo autônomo para o conjunto do eleitorado, sobretudo depois do engajamento do seu mandato na defesa da presidente Dilma e uma forte aproximação com Lula. Na perspectiva de uma disputa polarizada (cenário Campos x Marília), Sílvio pode aumentar o seu potencial de voto agregando-se aos nomes Lula e Arraes. Como as pesquisas já mostram, Lula é o preferido de cerca de 60% dos eleitores pernambucanos e Marília mantém uma tendência ascendente para o governo estadual.
Se esse cenário não se confirmar, a opção do deputado Sílvio Costa será “correr por fora” numa coligação na qual, embora possa manter seu discurso e mesmo o apoio de Lula e Dilma, terá que se desdobrar, em termos logísticos e materiais, para ter penetração e projeção eleitoral nas sub-regiões estaduais. Não será ou seria uma tarefa fácil, mas, justamente porque esta eleição majoritária parece-nos atípica, suas chances são igualmente ponderáveis no conjunto dos demais postulantes.
Assim como creio que Marília tem maior probabilidade de vencer num eventual segundo turno, também acredito que um dos senadores de Pernambuco sairá de sua coligação.
*Roberto Numeriano é jornalista, professor e pós-doutor em Ciência Política.
*Foto: Revista Veja