A ascensão de um tipo tosco, autoritário e claramente incapaz para governar um país da dimensão do Brasil não se explica pela análise de uma conjuntura social e econômica em crise recente, que o golpe de Estado robusteceu pela “aprovação” de leis atreladas ao capital financeiro, ao agronegócio e aos esquemas de um Congresso de maioria corrupta. Há causas subjetivas (de dimensão simbólica) e objetivas (materiais) que podem explicar porque uma parte do país corteja o abismo como um narciso bêbado pronto para mergulhar nas trevas.
O ovo da serpente do fascismo brasileiro vinha sendo cevado, já reativamente, desde as primeiras gestões do ex-presidente Lula, e as jornadas de junho de 2013 foram o primeiro sinal de que a casca se quebrara. Ali, com a suspeita presença dos violentos “black-blocs” (para este eterno desconfiado, tipos provocadores a soldo de interesses externos), uma parcela da classe média saiu às ruas para a sua particular guerra de classe contra a “corrupção”. Na verdade, esse foi o mote ou pretexto simbólico: a massiva mobilização tinha como alvo o “bandido” de sempre: a esquerda e suas políticas inclusivas. Ou, especificamente, o PT e Lula.
Daí ser necessário reconhecer os liames lógicos e ideológicos entre o brilhante país da era Lula e este país sombrio e destroçado na economia, nos laços sociais de convivência, na política e na cultura. Há, efetivamente, por trás disso tudo, uma agenda de poder da direita e extrema-direita azeitadas por militares fascistas (o grosseiro Mourão, vice do Bolsonazi), autoritários (o ministro do Exército, que deveria ter sido demitido e preso pelas gravíssimas e ameaçadoras declarações de teor político), maçons de linha retrógrada / moralista e políticos corruptos fora e dentro do aparelho de Estado.
Esta agenda não tem nada de patriótica ou moralista. Esta agenda é a visão de mundo de uma ideologia de classe diretamente legatária da casa-grande escravocrata. Egoísta e excludente, tal programa social, ideológico e político extremista sempre existiu, mas somente agora, por força do bombardeio diário de uma emissora de TV que é a quintessência do crime de lesa-pátria (a Rede Globo), ganhou visibilidade e apoio massivos daqueles típicos grupos que engordam as hordas do medo e do ódio.
É também a agenda do ataque do capital financeiro às democracias liberais em todo o mundo pós-choque de 2008, e que no Brasil se reveste, por meio do golpe, do saque da riqueza gigantesca proporcionada pelas jazidas petrolíferas do pré-sal. Não por acaso, as tropas de ocupação das corporações multinacionais, por meio do Legislativo e do Judiciário, fizeram aprovar, no calor do golpe, leis francamente lesivas ao interesse nacional.
Se antes os fariseus da direita aterrorizavam a sociedade com o mote do “medo” de um eventual governo petista, agora eles assumiram que nunca tiveram medo de nada. E saíram de seus armários fétidos ou cloacas mentais espumando o que vai em suas almas tristes: o puro ódio social classista. Ódio aos negros e pardos pobres, aos miseráveis em situação de rua e aos migrantes (sobretudo se nordestinos), às comunidades LGBT, às mães solteiras, aos refugiados, aos famintos e desvalidos de toda espécie. A direita ama odiar.
O grave perigo que corremos – creio que a mais perigosa encruzilhada social e política que este país já encarou – é ver legitimada, pelo voto dos inocentes úteis, dos fascistas militantes e dos idiotas de carteirinha, uma agenda que é um refugo dos regimes de Mussolini e Hitler.
A eventual eleição desse energúmeno bizarro e do seu vice (ambos claramente ameaças ao que restou de soberania popular na Carta Magna de 88, permissivamente estuprada pela leniência de um pequeno supremo acovardado ante o avanço do golpe sobre o Estado democrático de direito) vai legitimar o banditismo político-ideológico dessas hordas nos ambientes de trabalho, sejam públicos ou privados, nos espaços públicos (praças, ruas, estádios de futebol etc), nas redações jornalísticas, nas famílias e nos clubes, supermercados e feiras, nos tribunais dominados por juízes, procuradores, desembargadores e promotores ativistas.
Não vai restar nada, pedra sobre pedra, dos já rarefeitos liames de interação social que a mídia das oligarquias de família progressivamente esgarçou na perseguição hidrófoba e hipócrita ao PT e Lula. Sobrará apenas um arremedo de país sem nação. Uma imensa anomalia social teratológica, sob controle de civis e militares autoritários cujo projeto de vida é a curra ancestral, pela eterna casa-grande, da senzala e sua vasta população assalariada.
Esse arranjo não vai se sustentar pelo simples fato de que a vivência e a sensação de dignidade que, pela primeira vez na história brasileira, os miseráveis e pobres alcançaram, não vão aceitar o chicote neoliberal para tangê-los de volta à senzala. Este país vai, necessariamente, sangrar. E os humilhados e ofendidos de sempre não se submeterão como bodes expiatórios da farra das elites corruptas e desumanas.
Eleger o fascismo tupiniquim será instituir simbolicamente a aceitação da “lei e da ordem” de castas judiciárias taradas em punir ideólogos e militantes de esquerda, no mais descarado ativismo judicial; a relativização do racismo (o pequeno supremo já deu o seu belo exemplo para não incriminar o candidato do ódio e do medo); a aplicação totalitária das agendas do capital financeiro e rentista sobre o mundo do trabalho; o salvo-conduto para o policial da esquina se julgar uma autoridade para atirar a torto e a direito; a permissão para humilhar e perseguir as minorias; a ingerência autoritária e inconstitucional de militares no espaço político; enfim, eleger o candidato cujo símbolo de campanha é um revólver significará que o discurso do ódio e do medo venceu.
Os brasileiros precisam escolher um candidato capaz, moral e intelectualmente, para criar e gerir consensos sociais, políticos e econômicos na dura tarefa de reerguer o país. Precisamos de paz e serenidade para desconstruir o golpe de Estado e refundar as instituições sob o marco republicano.
O fascista cevado no ódio e no medo não é e nunca será esse candidato. Àqueles que me leem e têm por meta de vida odiar o PT e Lula, peço que reflitam milhões de vezes. E escolham outro nome da seara da direita. Mas se o ódio e o medo são os guias de suas decisões político-ideológicas, mesmo que isso signifique lançar o país e os brasileiros no terror de uma era de trevas, não há nada a fazer. Vocês já não vivem entre nós: são fantasmas de um mundo morto.
#Elenão.
*Roberto Numeriano é jornalista, professor, pós-doutor em Ciência Política e candidato a deputado estadual pelo Avante.