A recém-nascida foi entregue com 13 dias de vida para o Lar Rejane Marques, em Campo Grande, zona Norte do Recife; após receber o diagnóstico de microcefalia, a mãe comunicou, ainda no hospital, que não teria condições de ficar com o bebê; segundo o Ministério Público, a mulher já é mãe de um filho com deficiência afirma não ter condições para criar a criança; "Trata-se de uma mulher que vive abaixo da linha da pobreza", disse a coordenadora social do abrigo, Delza Ribeiro
Noelle Oliveira, do Portal EBC - Na cidade com o maior número de casos de microcefalia registrados no país, Recife, uma criança com quase quatro meses de idade e diagnóstico de microcefalia aguarda em um abrigo a definição de seu futuro.
A recém-nascida foi entregue com 13 dias de vida para o Lar Rejane Marques, em Campo Grande, bairro da capital pernambucana, em outubro de 2015. Após ter a criança e receber o diagnóstico de microcefalia, a mãe comunicou, ainda no hospital, que não teria condições de ficar com o bebê. O Conselho Tutelar foi chamado e a genitora acompanhou a entrega da menina a um primeiro abrigo e, posteriormente, a transferência para o lar onde se encontra agora.
A mulher*, que tem mais de 18 anos e é mãe de um filho com deficiência, vive em uma região carente da capital e, segundo dados fornecidos à Justiça, não possuí o apoio do pai da menina para criá-la. A genitora já foi ouvida pela Justiça e procurada pela equipe de psicólogos do abrigo mas, até o momento, foi taxativa em não retomar a guarda. "Ela afirma não ter condições para criar a criança, trata-se de uma mulher que vive abaixo da linha da pobreza", disse a coordenadora social do abrigo, Delza Ribeiro.
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) entrou com pedido de destituição do poder familiar em virtude do abandono da criança. "Ainda estamos conversando com essa mãe. O fato de o tema microcefalia estar amplamente difundido e de a mãe, talvez, temer o que isso acarretaria ao bebê pode ter influenciado essa atitude, mas não podemos afirmar que seja isso", pondera o juiz Élio Braz, da 2ª Vara da Infância e Juventude do Recife.
A Justiça tem prazo de 120 dias para decidir pelo encaminhamento do bebê para o Cadastro Nacional de Adoção, mas a decisão ainda não foi tomada. "Estamos buscando familiares dessa criança para esgotar as possibilidades da reintegrá-la à família de origem. Mas, por enquanto, não apareceu ninguém", disse o juiz. O prazo se encerra em 28 de março. Antes disso, no dia 3 de fevereiro, uma audiência está marcada para ouvir os familiares da criança sobre a possibilidade de reinserção na família.
Medo e desconhecimento
O juiz pondera que a entrega do bebê configura uma situação diferenciada, diante do surto de microcefalia atual, uma doença ainda pouco entendida por boa parte da população. "É algo novo para todo mundo. O fato de ela ter acompanhado o Conselho Tutelar na entrega da criança ao abrigo mostra preocupação dessa mãe, mas ao mesmo tempo pode ter faltado coragem ou mesmo recursos para criá-la. Precisamos esclarecer tudo isso antes de tomar uma decisão, é um caso de entrega e não de abandono", pontua Braz.
O caso, de acordo com o juiz, é o único relacionado à microcefalia que foi registrado em Recife até o momento. "Situações desse tipo são raríssimas, o mais comum são registros de negligência e maus-tratos por partes dos pais para com as crianças", garante. O abandono de criança é crime previsto no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Artigo 240.
Desafio
No Lar Rejane Marques - instituição não-governamental sem fins lucrativos e que atende crianças com deficiência e vítimas de violência doméstica -, a menina com microcefalia, além de cuidados, é avaliada quanto ao nível de comprometimento acarretado pela doença. "Até mesmo para que possamos esclarecer tudo isso para a mãe e familiares", pondera o juiz.
Hoje, o caso da menina é o único de microcefalia no abrigo. "É uma novidade também para nós. Estamos buscando apoio na literatura científica e também por meio de profissionais para dominarmos melhor o tema", detalha a coordenadora social do lar, Delza Ribeiro. Mais nova entre as crianças da casa, a pequena já se tornou o "xodó" do abrigo.
"É uma garotinha linda, geniosa e extremamente esperta. A pediatra que a acompanha afirma que seu desenvolvimento é acima do previsto para a idade. Também não foi constatado nenhum problema nos exames oftalmológicos. Agora, ela iniciará o trabalho de fisioterapia, mas não sabemos o que virá pela frente", explica.
A capacidade do abrigo é para 15 crianças e, hoje, a casa está com 14. "O índice de adoção dessas crianças é muito baixo. A sociedade ainda não tem preparo para ver que não se trata de levar um problema para casa, mas sim constituir uma família cercada por um retorno imenso de amor", avalia Delza.
Entre os caminhos trilhados pelas crianças após chegarem ao abrigo, estão o atendimento físico e psicológico aos menores, bem como o trabalho familiar na tentativa de reintegrar os pequenos às suas casas originais. Quando isso não é possível, a criança é encaminhada para adoção. "Já tivemos casos de sucesso, bem como adoções frustradas, cujas crianças acabaram voltando para o abrigo. Mas, cada pequeno avanço é uma vitória", conclui Delza.
*A criança com microcefalia e a mãe não foram identificadas no texto porque o processo corre em segredo de Justiça.
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