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domingo, 14 de junho de 2020

A DEMOCRACIA CONSENTIDA

Por Homero Fonseca*

É a típica declaração que se desdiz ao ser enunciada.

Façamos uma rápida tradução das palavras generalícias.

Disse o general: “Para eles [os comandantes], é ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar o golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrático”.

Tradução: os generais estão zangados, portanto não ofendam o Exército falando em golpe senão eles darão um golpe para não serem acusados de golpistas.

Disse mais: “O próprio presidente nunca pregou o golpe.”

Tradução: o presidente sempre defendeu uma ditadura, mas qual é o problema?

Disse ainda: “Agora, o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”.

Tradução em duas etapas.

1ª — “O outro lado”: obviamente não é a oposição formal, incapaz no momento de representar qualquer ameaça real (Maia esclareceu que não tocará qualquer processo de impeachment). Menos ainda o fantasma da esquerda — desorganizada, desunida e desorientada — que no atual contexto histórico não representa o menor perigo. O alvo do general Ramos é o STF e o TSE.

2ª — “Esticar a corda”. Avançar com o processo das fake news que, teoricamente, pode resultar na cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. Nesse ponto, o general foi tão claro que quase dispensa tradução: “”Também não é plausível achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente que foi eleito com 57 milhões de votos”.

O general Ramos comentou ainda uma mensagem do ministro Celso de Melo sobre os pendores nazistas de apoiadores do presidente — mensagem privada e devidamente vazada[ii]: “Comparar o presidente a Hitler é passar do ponto, e muito.” Traduzindo: direito de expressão é só para os bolsonaristas pedirem ditadura e volta do AI-5, talkey?

Pra quem não sofre de algum déficit cognitivo grave, as ameaças são claras. E vem sendo usadas, quando conveniente, em momentos cruciais. Lembram o twitter do general Villas Boas, em agosto de 2018, às vésperas de o STF votar habeas corpus em favor de Lula?[iii] Mensagem intimidatória, ratificada por uma nota oficial do comando do Exército[iv]. O resultado da votação foi 6 x 5 contra a concessão do HC, como se sabe. Depois de eleito, Bolsonaro dirigiu-se a Villas Boas diante dos comandantes militares: “Só estou aqui por sua causa”[v]. Tradução possível: “Valeu, general. Obrigado pela força. Foi fundamental naquele momento”.

O argumentador ingênuo (ou malandro) pode perguntar: mas porque eles não dão logo o golpe, ao invés de ficar ameaçando? Primeiro, porque já estão encastelados no poder. Segundo, porque preferem manter as aparências (como em 1964, quando golpe e ditadura eram chamados de “revolução democrática”).

Entretanto — e este é o recado do general Ramos — se qualquer instituição se meter a alterar esse arranjo, “as consequências serão imprevisíveis”, como disse antes o general Augusto Heleno.

Resumindo: não haverá golpe se o Judiciário não mexer com Bolsonaro, se ninguém der mais declarações consideradas ofensivas, se tudo correr como eles querem, se…

Democracia é só para quem pensa igual.

FONTES

[i] https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/12/ministro-ramos-afirma-que-e-ultrajante-falar-em-golpe-militar-mas-alerta-nao-estica-a-corda.ghtml

[ii] https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/01/celso-de-mello-ve-semelhanca-entre-brasil-atual-e-alemanha-nazista-e-diz-que-apoiadores-de-bolsonaro-odeiam-democracia.ghtml

[iii] https://twitter.com/Gen_VillasBoas/status/981315180226318336

[iv] https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,exercito-defende-declaracoes-de-general-villas-boas-no-twitter,70002255031

[v] https://www.viomundo.com.br/politica/golpe-de-villas-boas-mostra-que-bolsonaro-foi-eleito-na-marra.html

*Homero Fonseca é jornalista, escritor e consultor literário. Foi editor da revista Continente. Autor do romance "Roliúde", entre outros livros.

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