Jornalista e escritor consagrado, Ruy Castro escreveu um artigo, publicado na Folha de São Paulo que repercutiu em todo o Brasil.
No texto, o autor assinala que a classe médica e dos profissionais de saúde contribuíram para eleger Jair Bolsonaro presidente.
Ruy Castro lamenta que o pessoal da área de saúde, de estudantes de medicina a serventes de hospitais, não tenha suspeitado que estavam colocando no Palácio do Planalto um “demente”.
Ele cita o comportamento instável do presidente durante a pandemia do coronavírus, chegando a assinalar entre o vírus e o povo, o governo federal escolheu a favor da morte.
No final, o escritor cobra da comunidade médica, através dos seus conselhos, institutos e organizações, um posicionamento sobre a tragédia que o Brasil está vivendo nesta pandemia, agravada por um governo sem ação e que até mente à população em relação à doença que se espalha e já matou perto de 180 mil pessoas.
Renan Araújo, que integra um movimento dos médicos pela democracia, escreveu uma Carta Aberta para o escritor Ruy Castro concordando com ele em alguns pontos, mas lembrando que não há unanimidade na classe, a respeito do atual governo e muitos lutam contra o obscurantismo em vigor.
A carta do médico Renan Araújo:
Antes, muito antes, de o Brasil ser mergulhado no obscurantismo dos tempos hodiernos, havia médicos e medicina no Brasil.
E a história da medicina, desde sempre, é a história de valorização da vida, da busca do conhecimento que apresente resposta para cura das doenças e de sua prevenção.
Nas últimas décadas, inúmeros avanços e conquistas foram obtidos pela medicina e saúde pública brasileiras, tendo a mais importante delas a implantação do Sistema Único de Saúde, o SUS.
Numa sociedade desigual como a brasileira, a oferta dos serviços de saúde também sempre foi muito desigual.
O SUS veio trazer democratização do acesso, qualidade e integralidade na atenção e profunda interação com a ciência e a inovação tecnológica.
Seguindo caminhos tortuosos, desde a Constituição Cidadã de 1988, o Brasil vem construindo um sistema de saúde vigoroso, inclusivo, que é motivo de orgulho e, por esse motivo, objeto constante de ataques daqueles que veem nele uma ameaça a interesses mercantilistas, privatistas e obscurantistas.
O atual governo, a que o senhor se refere como resultado do desejo dos 57,8 milhões de votos dos que queriam “se livrar do PT”, vem acentuando sobremaneira esses ataques ao SUS e, consequentemente, aos médicos e médicas brasileiros.
Desde a redução dos investimentos na área de saúde, os cortes na área de pesquisa e especialização, até o negacionismo e irresponsabilidade diante da maior crise sanitária de nossa história, a pandemia do coronavírus, o governo Bolsonaro, conduzido por um demente, segundo vossas palavras, pretende ferir de morte o SUS – que, por sua vez, demonstra vitalidade e força capaz de minorar os efeitos desastrosos, mesmo que de maneira parcial.
Acerta o Senhor quando cobra posicionamento da “comunidade médica” em relação aos desmandos presentes. É inadmissível que as entidades nacionais representativas dos médicos e médicas brasileiros já não tenham adotados postura enérgica de defesa da profissão, da saúde pública e da utilização da ciência como ferramenta de enfrentamento da pandemia.
Mas saiba que, assim como boa parte da categoria médica se deixou influenciar pelo canto da sereia do “se livrar do PT” através do voto em um candidato que já não deixava dúvidas sobre suas más intenções e despreparo, parcela da categoria médica já denunciava na campanha os perigos que representava essa candidatura, e clamava por caminhos diferentes.
Aliás, desde muito antes, parte da categoria médica sempre esteve engajada na luta pela democratização da sociedade brasileira e pelo fortalecimento da saúde pública. Foi destacada, por exemplo, a atuação médica no movimento da reforma sanitária, que resultou no SUS, e em todos os avanços que isso representou para o País.
Faço esse registro, caro jornalista, para que não se pense que houve unanimidade da escolha da opção desastrosa por Bolsonaro. Importante registrar que parcela dos médicos e médicas que cometeu o erro histórico nas urnas em 2018 certamente hoje reconhece que o voto dado ao candidato vencedor não foi contra um candidato ou partido especificamente, mas, sim, conta seu próprio país e seu desenvolvimento civilizatório.
Outra parcela ainda continua alinhada com o negacionismo e obscurantismo representados por Bolsonaro.
Quantos? Até quando? Não é possível definir no momento.
De nossa parte, cabe resistir e apontar os caminhos, mesmo que em desvantagem momentânea, porque sabemos que rotas mal traçadas podem ser corrigidas.
Luz sobre a escuridão logo há de brilhar, e os médicos e médicas brasileiras saberão caminhar os caminhos da democracia, da ciência e da justiça social.
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