Por Ayrton Maciel
O jegue não é só um meio de locomoção ainda significativo no interior do Nordeste. É um símbolo da Região. Usar o animal como instrumento para humilhar adversários é um menosprezo aos brasileiros que têm o animal para o trabalho e como transporte. Uma agressão reles de quem se habituou a agredir. O presidente Jair Bolsonaro sabe da relação do animal com o Nordeste, mas o preconceito povoa a sua cabeça. Para rebater os que gritavam "Fora, Bolsonaro", em um avião comercial no aeroporto de Vitória, sugeriu que viajassem de jegue. Bolsonaro quis menosprezar seus opositores, e da forma que ele entende ser a mais humilhante: comparou os provocadores aos nordestinos.
A zombaria de Bolsonaro é o que está no seu consciente. Ele teve a proposital vontade de ofender, no que tem sido reincidente. Ao comparar os que o chamavam de genocida, no voo de Vitória, aos que se locomovem por jegue, Bolsonaro expôs o que pensa sobre os nordestinos: brasileiros inferiores. Quis agredir os que estavam no avião, e fundamentalmente ofendeu a Região. Não é a primeira vez. Na campanha de 2018 e no governo ele já dirigiu piadas e conceitos detratores dos nordestinos. Bolsonaro é um poço de preconceitos: mulheres, gays, negros, índios, favelados e nordestinos são alvos comuns do seu prazer. Não raro, ao fim e ao cabo, todos viram comunistas se são militantes.
Ao revidar aos passageiros que o chamavam de genocida, a primeira imagem que veio à sua cabeça foi o jegue. Aqueles que ali estavam xingando-o "eram nordestinos", assim concluiu. Para o presidente, a imagem do jegue era o que de mais humilhante poderia causar aos que gritavam "fora!". Porque, na visão de Bolsonaro, e na práxis de racistas e preconceituosos, nada mais ralé do que um nordestino, e o avião é - para ele, Bolsonaro - meio de transporte exclusivo para bolsonaristas. O que então estariam fazendo naquele voo?, certamente perguntou-se. Entretanto, o presidente não expressou um preconceito exclusivo. Ele não é único, não está só. Tanto que a outra parte do voo reagiu aplaudindo-o e o chamando de "mito".
Bolsonaro é a expressão do pensamento preconceituoso de parcelas das populações sulista e do sudeste contra o Nordeste. Brasileiros descendentes de italianos, alemães, poloneses, nascidos no Rio Grande do Sul (RS), Santa Catarina, Paraná e São Paulo, e elites que povoam o Morumbi, a Avenida Paulista, Copacabana e Ipanema nutrem secular preconceito contra a cultura, o sotaque, hábitos e tradições nordestinas. O jegue faz parte deste universo e imaginário desprezados. As palavras captadas pelos áudios e imagens do voo que ia partir de Vitória não revelaram apenas o sarcasmo de Bolsonaro com um animal símbolo da Região, mas também um escárnio com os brasileiros que nela nasceram.
Não serão as figuras do jegue e do montador nem o menosprezo que farão os bolsonaristas nordestinos repensarem o seu apoio, pelo menos o da maioria. A adoção da imagem de "mito" demonstra uma cegueira coletiva, como uma doutrinação de seita. Não há racionalidade. O radicalismo ideológico engole os brios. Ao disparar, sem qualquer constrangimento, em revide aos que gritavam “Fora, Bolsonaro”, que deveriam "viajar de jegue", o presidente desrespeitou os brasileiros nordestinos, mais do que o animal-símbolo. Bolsonaro tem noção do que fala e do que faz. Ele apenas não tem respeito. O jegue não é apenas um símbolo, um meio de locomoção. O jegue é a negação de Bolsonaro. Esta é a nossa resposta.
* Ayrton Maciel é jornalista.
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