Puta e indecente, disse meu pai, ao ver o comercial que anunciava seu show a ser exibido na Band, talvez o ano fosse 97, eu tinha 10 anos. Obviamente eu assisti escondido aquele show. E não era só Puta, era isso e muito mais.
Vi uma mulher que desejava! Era ela dona, meretriz, chefe, sensível, forte - literalmente forte-, feroz, volátil, sexual, puta e desejante. Chamá-la de puta era a resposta de seu próprio comando. Quão poderoso era isso!
Cresci ouvindo sobre ela, e sobre Adriane Galisteu com Sena, Xuxa com Pelé, Elza Soares com Garrincha, todas mulheres ruins, putas, indecentes e interesseiras. O que me causou fascínio instantâneo por escutá-las, “lê-las”, ouvi-las, percebe-las sob outra perspectiva.
Nem Evas, nem Marias. Nem Santas, putas, boas ou más, sobretudo mulheres desejantes.
Como mulher é odiada! As desejantes em potencial reforço.
A mulher não pode desejar. O desejo parte do homem, elas esperam, e agradecem se são.
A primeira a desejar, na literatura bíblica, foi Eva. E por Deus, como essa mulher errou feio, não?!
Isso porque objeto não deseja, ele é desejado, ele serve, ele tá lá pra ser acessado e descartado. Ele obedece e sempre diz sim. O desejo delas é visto como uma ameaça à quem tem poder sobre elas.
Madonna nunca esteve nesse lugar. Ela é quem deseja.
O desejo foi tomado do outro, para ela. Ela se concretizou não na limitação do ser desejada, mas naquela que deseja. O foco muda da órbita para si, para o corpo de um outro, homem ou não, mas não antes de partir de si mesma. Isso foi, é e sempre será chocante. Mordeu a maçã porque quis, a serpente foi ela mesma, glória a deusa.
Adiantou Madonna a grande revolução, sendo a pedra fundamental de um movimento que é imparável. Mulheres desejam!
Tomou dos homens, tomou da igreja, tomou do meu pai.
Em Madonna a mulher desejante pôde tudo. Dizer sim, dizer Não. Engravidar, abortar, casar, descasar, nunca casar, amar, desamar, construir uma carreira, ir ou ficar.
Madonna está para as mulheres e os homens gays, como Alexandre O grande está para a civilização moderna. Se fez maldição, deu voz, luz e palco. Eu me sinto honrado em ser seu contemporâneo.
Texto: Douglas Amorim
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