Ex-governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB-PR) fez campanha dividindo o palanque com Dilma Rousseff. Eleito, tornou-se um dos mais ácidos críticos do governo no Senado.
Votou a favor do salário mínimo de R$ 560, contra os R$ 545. Disse ‘não’ à medida provisória que instituiu a APO (Autoridade Pública Olímpica).Instou os colegas que abandonarem o comportamento “bovino” no trato com o governo.
Da tribuna, disse que a gestão Dilma privilegia o“capital vadio” em detrimento do "trabalho". Em entrevista ao blog, Requião, 70 anos completados neste sábado (5), afirmou:
“O Congresso foi reduzido a emendas e nomeações para carguinhos no governo”. Abaixo a entrevista:
1- Acha que os apoiadores do governo votam bovinamente? Não é só a base da Dilma. Há uma cultura congressual que leva ao comportamento bovino. Vota-se tudo sem visão crítica. O Congresso foi reduzido a emendinhas e nomeações para carguinhos no governo. Foi assim com o Fernando Henrique, com o Lula e a Dilma está repetindo a prática. Não é bom pra ela.
2- Não se sente incomodado no PMDB, que provê o maior rebanho?
Qual é o partido que não é assim? O PMDB é igualzinho aos outros. Eu me sinto angustiado, mas esse é um processo criado pela cultura partidária e congressual brasileira.
3- Há como mudar?
Ainda não perdi as esperanças na tia Dilma. Ela tomou algumas atitudes. Mandou o [deputado] Eduardo Cunha [PMDB-RJ] às favas [Dilma afastou do comando de Furnas apadrinhados de Cunha].
4- A relação do PMDB com o governo é inadequada?
O PMDB compôs a coligação da Dilma para que ela adquirisse o horário eleitoral do partido. O PMDB, hoje, vale pelo horário da televisão.
5- Alega-se que a presença de Michel Temer na vice-presidência deu ares institucionais a essa relação. Discorda?
Eu gosto do Temer. Ele não é uma figura que você possa colocar no nível de outras, desqualificadas. Mas eles nunca mais fizeram uma convenção pra valer. O PMDB foi apropriado. Na última convenção, eu e o Pedro [Simon] pretendíamos apresentar uma chapa de candidatura própria à Presidência. Não conseguimos. Não digo que o Temer é o pior cara do PMDB, mas não tem uma ligação orgânica com o partido. Sobram as emendinhas e o comércio dos carguinhos. Isso não é saudável.
6- Sem cargos e emendas o PMDB apoiaria Dilma?
Fui governador do Paraná três vezes. Nunca liberei emenda de deputado. E tive maioria na Assembléia. Trabalhava com projetos. Os deputados iam para suas bases, falavam dos projetos e diziam que apoiavam. Funcionou enquanto eu fui governador.
7- Essa posição crítica vai permear o seu mandato?
Ela tem permeado a minha vida. Apoiarei com entusiasmo a tia Dilma quando estiver correta.Não vou exercitar a tolerância continuada, que vira submissão.
8- Sua posição é diferente da de Jarbas Vasconcelos?
O Jarbas não apoiou a Dilma, eu apoei com entusiasmo. Acho que ela nunca esperou de mim a cegueira. Também não quero nada. No governo, minha indicada é a Dilma. Não entro em comércio de cargos.
9- Suas restrições à política econômica são agudas.
O sugere que seja feito? No meu governo, fiz um seminário no Paraná sobre a crise financeira global. Trouxe gente do mundo inteiro. Organizei junto com o Carlos Lessa [ex-presidente do BNDES]. As palestras estão todas no meu site.
10- A que conclusões chegaram?
Construímos uma visão clara do que havia acontecido no mundo. O Brasil está na contramão de tudo o que se faz no planeta.
11- Como assim?
Estamos aumentando os juros e comprimindo salários. Temos inflação porque falta investimento em infraestrutura. Investimento privado e público. Então, qualquer aquecimento da demanda provoca inflação.
12- O que fazer?
Vou reproduzir a opinião que surgiu do seminário.Em vez de aumentar os juros, que elevam a dívida pública, eu aumentaria o depósito compulsório dos bancos. Não dá lucro pra banco nenhum e dá uma enxugada na economia. Em vez de congelar o salário mínimo e ficar com essa imagem antipática diante dos trabalhadores, eu daria um freio de arrumação no empréstimo consignado, que está crescendo muito velozmente. Ajuda a alimentar o processo inflacionário. Precisa também dar uma reduzida nos prazos de financiamento.
13- O BC já elevou o compulsório dos bancos e alargou o prazo dos empréstimos. Não foi o bastante?
Eles fizeram, mas não foi o suficiente. Precisa ser mais pesado. E tem de segurar o empréstimo consignado. Esse pessoal não vai conseguir pagar.Não tem funcionário público que não tenha comprado um carro novo financiado. Estão se afundando em dívidas. Os bancos não tem risco nenhum e os juros são absurdos.
14- Acha que o governo tem medo de contrariar bancos? Sim. O Lula fez um acordo num determinado momento, pra sobreviver.
15- Que acordo?
Naquela época do mensalão, em 2005, o Lula fez um acordo com o capital.
16- Em que termos foi celebrado esse acordo?
Comprou-se o silêncio. A nossa imprensa estava subordinada ao que o Mangabeira [Unger] chamava de capital vadio, especulativo, que não produz nada. Por isso, preferiu-se premiar os bancos. Eu esperava da Dilma algo diferente. Principalmente depois que ela mandou o [Henrique] Meirelles passear.
17- Retirou o Meirelles mas nomeou Alexandre Tombini, da antiga diretoria.
Sim, mas sem aquela auréola de independência e arrogância de um sujeito que é presidente dos bancos centrais da América, ex-presidente do Banco de Boston.
18- Se adotado o seu caminho, acha que seria possível elevar o salário mínimo para R$ 560?
Sim. Não estamos propondo um salário mínimo absurdo. Apenas achamos que deveria ter sido mantida a tendência de aumentos reais, acima da inflação. Foi uma bobagem da Dilma se contrapor à esperança do povo por tão pouco. Ela sinalizou para o capital e não sinalizou para o trabalho.
19- Suas observações encontram eco no governo. Alguém o chamou para conversar?
Não. Nada.
20- Por que se opôs à aprovação da medida provisória que criou a Autoridade Pública Olímpica?
Essa medida deu à ‘otoridade’ olímpica poderes para renovar a concessão de todas as lojinhas que operam em aeroportos. E tem coisa mais esdrúxula. Essa autarquia especial passa a ter a administração de todos os aeroportos do país. E mexeram na lei de licitações, criando regime especial para as obras das olimpíadas.
21- De onde veio a emenda que permite a renovação dos contratos das lojas de aeroportos?
A emenda é do Marco Maia [presidente da Câmara] e teve o apoio do DEM e do PSDB. Tenho um sobrinho que é deputado federal, João Arruda.Ele disse que isso não foi nem lido no plenário.Obteve a informação na liderança do PMDB na Câmara. Fizeram uma votação por acordo de lideranças. Os deputados não sabiam que tinham aprovado aquilo.
22- No Senado, PSDB e DEM votaram contra, não?
Votaram contra porque o Aloysio [Nunes, PSDB-SP] não engoliu o negócio. E o Alvaro [Dias, PSDB-PR] o acompanhou.
23- Está otimista com o governo Dilma?
Ela tem força, tem apoio popular. Mas começa a perder esse apoio quando comprime o salário mínimo. Podia botar os R$ 560, simplesmente para sinalizar que se joga com o trabalho. Há alguns sinais. O aumento do Bolsa Família atenua o problema do mínimo. Ajudarei no que for possível. Apoio, por exemplo, a desoneração da folha de salários. Só não posso concordar com o papel reservado ao Congresso. O Senado virou uma chancelaria do governo.
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