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domingo, 11 de dezembro de 2011

Entrevista

Quase três meses depois de dizer que há “bandidos de toga” na magistratura, a ministra Eliana Calmon avalia que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) saiu fortalecido da crise desencadeada pela reação da cúpula do órgão a sua declaração. Ela destaca como principal vitória de sua gestão à frente da Corregedoria Nacional de Justiça a reabertura de processos contra grupos de extermínio, que ficavam até uma década na prateleira. Um dos exemplos é o destravamento da ação que investiga as causas da chacina que vitimou, há 13 anos, a deputada Ceci Cunha, em Alagoas. O processo finalmente, irá a júri em janeiro. Acredita que conseguiu “estressar” a magistratura, que qualifica de corporativista.  Leia os principais trechos da entrevista:


 (Edilson Rodrigues/CB/D.A Press)

Por que tanta resistência ao trabalho da senhora?
Durante quatro séculos, o Poder Judiciário foi absolutamente autônomo, intocável. A invasão do âmago da administração de um tribunal por parte de um órgão é algo que não se conhece até então. A magistratura nunca reconheceu corrupção dentro do seu terreno. A cultura era de que enfraqueceria o poder se nós admitíssemos que entre nós existem corruptos. A partir desse discurso, nos distanciamos de uma grande arma, a mais poderosa contra a corrupção, que se chama transparência. Eu sou diferente porque na minha concepção o que está causando o desgaste do Judiciário é exatamente essa falta de transparência.

A categoria é corporativista?
É ideologicamente deformada. A ideologia deforma porque se você coloca como ideário uma posição e fecha a sua cabeça acaba ficando cego. É algo quase como o amor, esquizofrênico.

A senhora acha que tem uma missão nesse caso? A gente não vê na
sociedade muitas vozes contrárias?
Muitas vozes são a favor, só que não se manifestam. As vozes que se manifestam são das pessoas que têm a ideologia contrária.

Por que não se manifestam?
Têm medo da retaliação, porque estão dentro de um sistema que é fechado.

Mas esse sistema é de retaliações? A senhora sofreu retaliações?
Não. Eu sofri repúdios de todas as associações e do próprio CNJ. Mas não me senti retaliada na minha atividade, porque ninguém foi capaz de barrar o meu trabalho. Houve sim uma tentativa de me desacreditar, porque a nota de repúdio é uma forma de publicizar um trabalho que está errado. Só que a sociedade, os segmentos da própria carreira, como a OAB, universidades, deram muito apoio. Hoje mesmo veio um jovem aconselhar-se comigo. Ele acabava de sofrer uma derrota dentro da Justiça, um problema que surgiu na atividade jurisdicional. Ele veio dizer que estava desencantado e que iria deixar a magistratura. Mas antes disso ‘eu vim aqui conversar com a senhora’. Isso é lindo, é maravilhoso. Ele acredita no que eu possa dizer para ele.

Os bandidos de toga têm muita força?
Eles não têm força, porque são mãos invisíveis. Na realidade, o que eu quis dizer é que esse sistema de ideologia abafada, em que nós mesmos fazemos a correção e não queremos deixar transparecer, é que faz com que os bandidos fiquem mais fortalecidos. Eu usei uma expressão forte, até para chocar. Talvez se eu não usasse a expressão bandidos de toga não tivesse vindo à tona toda essa discussão.

Por que o julgamento dos limites da atuação do CNJ demora tanto?
O Supremo está com muitos processos de importância. Não acredito que o tribunal possa se preocupar com a opinião popular, mas a reação dessa vez foi muito forte. Quem conhecia o que é CNJ? Só as pessoas mais esclarecidas. Mas o zelador do prédio, o motorista de táxi, o vendedor de pipoca passaram a saber só agora o que é o CNJ.

A senhora acha que foi mal- interpretada pelos conselheiros ou houve tentativa de blindar o Judiciário?
Eu acho que houve uma indignação, em princípio, com uma pessoa que faz parte do Judiciário e que estava contrária a uma cultura. Eu estressei a cultura do Judiciário, mas nunca mudei de tom. Essa voz é absolutamente coerente com tudo o que já fiz. Acho que a administração tem que ser transparente.

A AMB pede que as corregedorias dos tribunais tenham o direito de investigar inicialmente as questões disciplinares de juízes antes do CNJ.
Por que o conselho quer a competência concorrente?
Em uma instituição corporativista como é o Judiciário, a abertura de um processo contra um juiz não fica a critério da corregedoria. Muitas vezes, o corregedor leva para o pleno. Alguns corregedores têm me dito que não adianta porque a ideologia do tribunal é não abrir processo contra juiz. Um corregedor me relatou o caso de um juiz que merecia ser afastado. Mas disse que já sabia que o tribunal não abriria o processo contra ele. E perguntou se mandaria o caso para mim ou se fazia a investigação por lá.

O que a senhora disse?
Disse para ele fazer toda a investigação para evitar que depois venha a ser anulada pelo Supremo. Estou tomando medidas profiláticas para que não haja anulações. Estamos atentos. Estabelecemos que todas as vezes que um tribunal arquivar o processo ou não abrir por falta de quórum que informe à Corregedoria Nacional.

Passada a polêmica a senhora acha que o CNJ saiu fortalecido?
Sem dúvida alguma. A corregedoria passou a ser mais conhecida e mais temida. Estamos cruzando dados para saber quais os sinais exteriores de riqueza. O porquê das contas bancárias, dos investimentos.

Na avaliação da senhora, como está o trabalho da Corregedoria Nacional de Justiça?
A corregedoria desfaz os nós que impedem o funcionamento normal da Justiça. A Secretaria de Direitos Humanos nos convidou para uma conversa em que mostrou a dificuldade que sentia porque o Brasil responde a processos no Tribunal Internacional de Direitos Humanos, como os que investigam grupos de extermínio. O juiz costuma focar os processos mais fáceis. Esses mais difíceis vão ficando na prateleira. Eles sabem que é um problema sério, porque está mexendo com milícias e gente poderosa.

Mas há resistência dos corregedores nos estados?
Não. Os corregedores têm nos atendido prontamente e manifestado a dificuldade na tramitação dos processos. Geralmente, há autoria diluída e o juiz se desgasta com a investigação.

Há pressão muito forte no Congresso para aumentar o salário do Judiciário. A senhora defende isso?
Isso tudo tem de ser negociado. É o presidente do STF que está encarregado de fazer essa política salarial não somente para os magistrados, mas também para os servidores. Muitas leis estabelecem benesses de incorporações para os servidores públicos, que levavam a salários muito altos.

Levavam ou levam?
Levavam, porque agora se tomou uma providência de dar uma parada nessas incorporações. Mas encontramos nos servidores públicos da Justiça Federal muitos salários que são superiores aos dos magistrados. No meu gabinete do STJ, o meu salário é o terceiro. Tenho dois assessores que ganham mais que eu.

Ainda tem gente recebendo acima do teto?
Estamos verificando. Para nós, tem que se obedecer ao teto. Estamos fazendo pela primeira vez uma inspeção patrimonial em 20 tribunais para saber se efetivamente há salários acima do teto.

A senhora considera legal que juízes façam greve?
Não damos sentenças para o governo, mas julgamos para o povo brasileiro. Imaginemos que os senadores porque não conseguiram aumento suficiente deixassem de votar e fechassem as portas do Senado. Tenho essa ideia em relação aos magistrados.
 
 DO CORREIO BRAZILIENSE - Diego Abreu/Leonardo Cavalcanti

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