“Se você pecar e não se arrepender, vai
queimar eternamente no Inferno!” Quem nunca ouviu algo parecido? Desde as
primeiras civilizações a idéia de um submundo onde os mortos sofrem castigos é
cultivada pelas religiões. Na Idade Média essa idéia tomou uma força jamais
vista, mantida para advertir os fiéis dos perigos de se desviar dos
ensinamentos da Igreja. Hoje vamos falar de como surgiu a crença no Inferno e
como ela foi sendo cultivada e transformada ao longo do tempo.
Para
falar sobre a origem da idéia do Inferno não podemos ficar restritos às crenças
cristãs. Devemos avaliar várias culturas e religiões anteriores, que serviram
de base para a idéia cristã de submundo e de seu governante.
Os sumérios,
como não poderia ser diferente, foram os primeiros a idealizar o submundo. Como
eles foram os primeiros povos mesopotâmicos, as crenças dos babilônios e
dos assírios, demais povos da Mesopotâmia, se equivalem às sumérias. Os
sumérios acreditavam que havia um submundo para onde todos iriam após a morte,
independente de terem sidos bons ou maus. Esse submundo, o Kur-Nu-Gia, era
governado pela bela deusa Ereshkigal, responsável por julgar os deuses e os
humanos e a quem cabia o poder sobre os demônios e deuses das trevas. Nesse
mundo não havia recompensa pela bondade. Todos estavam condenados a desgraça
eterna, alimentando-se de pó, do qual haviam sido formados. Por isso os
mesopotâmicos em geral davam grande importância à vida terrena.
Para os egípcios
a passagem pelo submundo era temporária. Os mortos deveriam passar por vários
obstáculos, conduzidos pelo deus Anúbis, além de enfrentar testes de outros 42
deuses. Após passar pelas 42 portas, guardadas cada uma por um deus diferente,
o morto chegaria à presença de Osíris (juiz dos mortos), de Íbis (deus dos escribas)
e da Maat (deusa da justiça). O coração do morto, simbolizado pelo escaravelho,
deveria ter o mesmo peso na balança que a pena da deusa Maat, que simbolizava a
verdade. O coração não poderia pesar mais nem menos que a verdade. Caso o peso
do coração se equiparasse ao da pena, o morto seria encaminhado ao paraíso. Se
o coração mostrasse ter peso diferente do da pena, a alma seria devorada pelo
deus Ammut, levando o morto à inexistência.
Os persas
foram mais além e criaram a idéia da luta entre o bem e o mal, doutrina
desenvolvida pelo profeta Zoroastro por volta de 1200 a.C. Zoroastro pregava
que havia dois deuses que conflitavam pelo poder: Ahura-Mazda, deus do bem e da
luz, e Ahrimã, deus do mal, das trevas e da discórdia. Cabia aos humanos adorar
Mazda, para que o bem prosperasse sobre o mal. Embora fosse dado livre-arbítrio
a todos os humanos, eles eram aconselhados pelo Zend-Avesta (livro que continha
a doutrina de Zoroastro) a serem boas e justas. Tais pessoas ganhariam o
paraíso após a morte. Os que fossem maus, violentos e injustos seriam
condenados a sofrimentos terríveis no inferno. No fim dos tempos haveria o
Juízo Final, no qual Mazda venceria Ahrimã e os mortos seriam ressuscitados
para serem julgados.
Os gregos
e romanos também acreditavam num submundo e em julgamentos póstumos.
O submundo era governado por Hades, e nele se julgavam as almas. Para chegar ao
reino de Hades os mortos tinham que atravessar o rio Aqueronte. Essa travessia
era feira por Caronte, dono da balsa que atravessava os mortos. Como se
acreditava que Caronte cobrava pela travessia, os gregos punham moedas sob a
língua ou sobre os olhos dos mortos, para que estes pudessem pagar pelo
serviço. Os mortos eram então julgados pelos juízes Minos, Éaco e Radamanto. Os
bons e virtuosos seriam encaminhados aos Campos Elísios, um paraíso verdejante
onde os mortos poderiam exercer suas atividades favoritas e serem felizes. Os
maus seriam lançados no Tártaro, o verdadeiro inferno, onde seriam infligidas
de sofrimento por várias criaturas horrendas.
Assim foi
sendo cultivada a crença no inferno que, como se pode ver, não é originalmente
judaica nem cristã. A palavra “inferno” vem do termo latino infernum,
que significa “submundo”. A crença no inferno como se tem hoje se origina da
Idade Média. Essa idéia não é bíblica, pois a Bíblia diz que os mortos não têm
consciência de nada (Eclesiastes 5: 9 e 10) e que os pecados são absolvidos com
a morte (Romanos 6: 23). A aparição da palavra inferno na Bíblia ocorre por um
erro de tradução das palavras gregas hades e geena e da palavra
hebraica sheol. Tanto hades como sheol fazem referência à
morada comum a todos os mortos, a sepultura da humanidade; enquanto a geena
significa a destruição eterna, que culmina com a inexistência. A Geena
era um lugar de Jerusalém onde os mortos desonrados eram queimados, gerando a
total aniquilação dos corpos dos mortos inconscientes. Já o lago de fogo,
descrito em Apocalipse, simboliza a destruição da morte, a instituição da vida
eterna na Terra depois do Juízo Final. Concluí-se, então, que a idéia medieval
de inferno não tem qualquer referência bíblica que a comprove.
Como nós
já vimos, a idéia de um deus do bem e outro do mal é originalmente persa, e foi
adaptada pelos primeiros cristãos. Utilizando-se dela a Igreja criou a idéia
moderna da disputa entre o deus cristão e o Diabo, com o objetivo de amedrontar
os fiéis que tivessem a intenção de se desviar de seu comando ou contestar suas
ordens. A imagem moderna do Diabo surgiu no século IV d.C., quando ele foi tido
como um ser horrendo, de pele avermelhada, chifre, um rabo e portador de um
forcado. Por fim o Concílio de Latrão (1215 d.C.) determinou que o Diabo e seus
demônios eram anjos desviados que contrariavam a supremacia divina. O Diabo foi
tido então, ao longo da Idade Média, como uma espécie de deus do submundo,
enquanto seus demônios são responsáveis por desencaminhar os vivos. Assim, a
idéia de Inferno se consolidou como uma maneira altamente criativa de incitar o
povo a se submeter ao poder da Igreja.
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