“Caminhando e cantando e seguindo a canção...”
Geraldo Vandré encanta diferentes gerações desde a infância, com os versos duros que nunca prescrevem, da sua bela canção de protesto.
“...Nos quarteis lhes ensinam antigas lições, de morrer pela pátria e viver sem razão...”
Pobre Geraldo. Foi pressionado, torturado, o coração se encheu de amargura e ele esqueceu de si mesmo, do grande artista que foi.
Nas entrevistas depois de velho, não diz coisa com coisa, é apenas uma sombra do que foi.
Geneton Moraes Neto, o genial jornalista pernambucano, que se foi antes do tempo (é, isso acontece, de alguns serem chamados antes do tempo, ou pelo menos quando ninguém estava esperando por tal coisa), fez uma dessas entrevistas com Vandré. O compositor já decadente, alienado, distante do tempo quando levantava o público nos festivais.
Quando menino o carnaval não era uma festa restrita a algumas capitais e poucas cidades do interior.
Em Pernambuco o frevo estava presente em todas as cidades, havia o corso, mela mela, bailes nos clubes, à noite, com as músicas antigas e os hits do momento.
Nós como que nascemos ouvindo Claudionor Germano, interpretando as músicas de Capiba, Nélson Ferreira, Luís Vieira e tanta gente mais.
Na década de 70 os novos e velhos baianos começaram também a tocar em fevereiro. Caetano compôs frevos para Gal Costa e Moraes Moreira arrebentou com seu Pombo Correio.
Naquela época se brincava sem medos em Garanhuns, São João, Pedra de Buíque, Capoeiras...
Tudo isso foi muito antes de filhos ou filhas assassinarem pais, crianças de 12 anos matarem mulheres de idade, a insegurança grudando na mente como a válvula colocada na cabeça antes de uma cirurgia.
No Recife, tempos depois, a vibração com o frevo e a linda Roberta nos ombros.
E havia energia para aguentar três dias de folias, andar quilômetros pelas ruas de Olinda.
Os velhos carnavais, no entanto, saíram de moda na maioria dos lugares, da mesma maneira que as boas histórias de faroeste foram substituídas pelos filmes de ação, na maioria das vezes só com pancadaria e muitas explosões.
Sylvester Stallone, Van Damme e Arnold Schwarzenegger no lugar de John Wayne, Franco Nero e Gregory Peck.
A praia invadiu o carnaval das cidades pequenas e quem está ao lado do prefeito tem lugar garantido, de preferência em Tamandaré ou São José da Coroa Grande.
“...Ô jardineira por que está tão triste? E o que foi que de aconteceu?”...
Não faz muito tempo, no feriadão do carnaval saíamos de carro e íamos conhecer novos lugares.
Natal, Campina Grande, Penedo, Palmeira dos Índios, Arapiraca, Maceió, Pesqueira, Serra Talhada, Triunfo, Arcoverde, Petrolina, Paulo Afonso, Belo Jardim...
Algumas dessas cidades já tinham sido visitadas, outras fomos rever imaginando que por lá encontraríamos a calma.
Nos últimos anos, como neste 2017, ficamos em casa, entre quatro paredes, assistindo filmes e relendo livros que nos tocaram em algum momento da vida.
No primeiro dia almoçamos num restaurante da cidade, no segundo apreciamos uma boa picanha e no terceiro arriscamos sanduíches naturais numa dessas lanchonetes que aqui chegaram algum tempo atrás.
Um ano já que o dinheiro curto não nos permitia esses luxos.
Hoje, quando termina a festa e se abre a possibilidade de um começo efetivo do ano no Brasil, nos deixamos em casa, esquecidos dos problemas e da falta de oportunidades, tão comuns ao lugar e à idade.
Depois de um filme, de um giro na internet e da releitura de algumas páginas de “O Senhor Embaixador”, nos entregamos a uma busca de vídeos antigos, resgatando alguns cantores românticos ou bregas que marcaram a música popular brasileira, em alguns casos sem o devido reconhecimento.
Imagine você, leitor, que Waldick Soriano, já velho, gravou um DVD no Cine São Luiz, no centro do Recife, com direito a casa cheia e casais dançando nos corredores da velha casa de espetáculos cinematográficos.
Waldick foi um “brega maldito” a vida toda, sofreu preconceitos de toda ordem. Mesmo assim, teve uma música gravada por Fagner, deu título e foi personagem de destaque num dos livros do jornalista e historiador Paulo César Araújo, além de ter sido reverenciado num documentário realizado pela atriz Patrícia Pillar.
“...Amigo, por favor leve esta carta...”
Ele gravou o DVD, no conhecido cinema da capital, em 2007 e morreu no ano seguinte.
Mais bem sucedido foi o pernambucano Reginaldo Rossi, chamado até de Rei, como se fosse uma espécie de Roberto Carlos do Nordeste e que tantas vezes lotou a Praça Mestre Dominguinhos, aqui em Garanhuns.
“...Lembro com muita saudade daquele bailinho, onde a gente dançava bem agarradinho, onde a gente ia mesmo é pra se abraçar...”
Antes da sessão do “Rei”, assistimos um filme argentino muito bom, de qualidade acima da média, com o ator Ricardo Darín, que já conhecíamos de outras produções de Los Hermanos.
“Tese sobre um Homicídio” e “Segredo dos Seus Olhos” têm padrão de filmes europeus.
Somos melhores do que os argentinos no futebol, não há dúvida, mas o cinema deles é melhor do que o nosso, isso é quase certo.
Foi um bom carnaval ou, melhor dizendo, foi um ótimo não-carnaval.
Como nos disse uma vez um compadre muito querido e sensato: “Depois dos 60 o que vem é lucro”.
Mulher, filhos, netos, livros, música, poesia, cinema em casa, frutas tiradas de uma velha mangueira, que mais poderemos desejar...?
A vida segue, amanhã vem a quarta-feira de cinzas, um sabor de peixe no ar e com sorte chuva pras bandas de cá.
“...Nasceu Maria quando a folia, perdia a noite, ganhava o dia
Foi fantasia seu enxoval, nasceu Maria no Carnaval...”
É, o velho Roberto gravou esses versos. Talvez a única canção do artista em que ele fala de carnaval.
Ele esteve presente no não-carnaval da família, neste feriadão, também com a música composta recentemente, de presente para a bela Jennifer Lopez.
“...Agora que o silêncio é uma carícia que a felicidade traz, você e o seu sorriso iluminam minha vida e meus espaços...”
Gonzaguinha, outro genial artista que foi chamado antes do tempo, num dos seus primeiros discos fez uma música falando de uma tal família Silva que desfila sua pobreza e insignificância pela avenida, espantando os bem nascidos.
A canção é triste como a voz do artista, que termina a música, salvo engano, lembrando que “...é mais um carnaval”.
De um modo ou de outro, terminamos falando da grande festa brasileira, não é mesmo?
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