Sem abrir mão de fazer boa literatura, evitando o proselitismo político, Mário produziu um texto duro, direto, sem rodeios. Em algumas páginas, parece que o sangue jorra na cara do leitor.
Temos a sensação de ter levado um soco, o estômago embrulha, dá vontade de parar ou de ler tudo de uma só vez, para saber como afinal termina a história.
"O Motorista de Médici", este o título do romance do escritor natural de Garanhuns, é sobre tortura, execução dos "comunistas" e inimigos da pátria, pelos agentes da repressão.
O personagem chave é Abel Rodrigues de Lima, de codinome “Cabo Foguinho”, que saiu das fileiras do Exército Brasileiro para integrar o Doi-Codi, órgão que comandou a barbárie no Brasil, após o golpe de 1964.
Incrível é que a história é narrada por um sobrinho do torturador. Quando jovem, amava o tio, tinha por ele admiração. Só veio descobrir o "monstro" muito tempo depois, quando ele estava acabado, decadente, sem que os serviços prestados à ditadura tenham lhe deixado rico ou com a consciência e paz.
Não é um livro fácil de ler por reabrir as feridas, por descortinar o horror do que foi o governo do general Médici. Mas é necessário, num país que até o ano passado era comandado por um fascista admirador do regime de 64 e de torturadores.
Por sinal, no livro de Mário Rodrigues, personagens reais e fictícios se misturam, com citações a esquerdistas e direitistas, como Dilma Rousseff, uma das torturadas pelo governo militar, e o delegado Fleury, que foi um dos agentes brutais do regime.
Mário Rodrigues não é um estreante, já publicou diversos livros, como "Receita Para se Fazer um Monstro", publicado pela editora Record e vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2016.
Em "O Motorista de Médici" o autor não abre mão de referências a Garanhuns e cidades do Agreste (Canhotinho é a terra natal de Abel), Recife, São Paulo, fazendo como que um mosaico do Brasil dos anos 70.
Da época em que o povo comemorou o tricampeonato mundial de futebol, enquanto o pau comia nos porões do regime.
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