Segundo o psicanalista Joel Birman, o senador Demóstenes é um mitômano que acreditou na sua própria fantasia. Ele vestiu uma máscara e ela acabou se colando em seu corpo.
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Demonstenes Torres no personagem do senador defensor da moral e dos bons costumes...
Demonstenes Torres no personagem do senador defensor da moral e dos bons costumes...
Fonte: Blog do Merval
O caso do senador Demóstenes Torres do DEM de Goiás vem atraindo a atenção não apenas do mundo político, mas também dos meios artísticos e psicanalíticos. Outro dia escrevi que o senador havia criado um personagem para si próprio, e o ator Antonio Pitanga me disse que está fascinado pelas facetas desse personagem, e pela capacidade do senador de assumir um papel tão complexo quanto esse, de defensor da moral e dos bons costumes enquanto, por baixo do pano, mantinha uma relação promíscua com um contraventor.
Até mesmo agora, apanhado em flagrante por gravações feitas com a autorização da Justiça, o senador trabalha em duas frentes distintas: no Judiciário, pretende anular a validade das gravações, e no plano político tenta o apoio de seus pares para não ser julgado pela Comissão de Ética.
Segundo o psicanalista Joel Birman, professor da UFRJ e da UERJ, o senador Demóstenes é um mitômano que acreditou na sua própria fantasia. Ele vestiu uma máscara e ela acabou se colando em seu corpo. Ao dizer “Eu não sou mais o Demóstenes”, está revelando uma personalidade psicologicamente quebrada, como se dissesse “Eu não sei mais quem é o Demóstenes”.
Está também se fazendo de vítima para seus pares, a fim de evitar um julgamento político na Comissão de Ética do Senado.
Essa vitimização é importante, ressalta Joel Birman, no sentido de revelar uma estratégia de defesa. Esse personagem que ele criou para si próprio não era uma mentira de Demóstenes, ele incorporou esse personagem e acreditava nele.
Podia acusar com veemência seus colegas senadores apanhados em desvios, como o senador Renan Calheiros, enquanto mantinha o relacionamento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira por que, como todo psicopata, não misturava as personalidades.
A de homem público era essa, criada por ele, para colocá-lo com destaque entre seus pares na defesa da ética na política, mesmo que tivesse no particular uma conduta antiética.
Outro exemplo recente de psicopatia na política foi o do ex-governador José Roberto Arruda, por sinal também do DEM e já devidamente expulso pelo partido, que chorou na tribuna do Senado, dizendo-se arrependido pela quebra do sigilo da votação no painel eletrônico.
Pediu desculpas públicas a seus pares e aos eleitores, além da família, passou por um período de purgação, para recuperar a popularidade até ser eleito governador de Brasília. Durante um bom tempo foi tido como um governador exemplar e um quadro político de primeiro nível, potencial candidato à Presidência da República e objeto de desejo de políticos de diversos partidos como companheiro de chapa.
Enquanto isso, mantinha nos subterrâneos de seu governo um vastíssimo esquema de corrupção de políticos e fornecedores de sua administração.
O advogado do senador Demóstenes Torres, o famoso Kakay de Brasília, deu também uma declaração interessante outro dia. Disse que o senador estava naturalmente apreensivo com as notícias vazadas, pois elas minavam sua credibilidade, mas que, do ponto de vista jurídico, estavam totalmente tranquilos.
Isso significa que a defesa do senador vai tentar impugnar as gravações feitas pela Polícia Federal, alegando que elas seriam ilegais.
Para o advogado Kakay, não importa que um juiz de primeira instância tenha autorizado as gravações telefônicas, pois como o senador tem foro privilegiado, elas só poderiam ser feitas com a autorização do Supremo.
Como as únicas provas que existem nos autos são as gravações, conforme admite até mesmo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a luta será em torno da legalidade ou não das escutas telefônicas.
Há quem defenda a tese de que como o senador Demóstenes Torres não era o objeto das escutas, e sim o bicheiro Carlinhos Cachoeira, não seria preciso pedir autorização do Supremo.
Tendo sido descoberto de maneira indireta, o senador estaria nesse caso sujeito a investigações pelo envolvimento em uma ação criminosa descoberta por acaso.
Caberá ao ministro do Supremo Ricardo Lewandowski decidir sobre o assunto, ao mesmo tempo em que o Senado estará obrigado a decidir se o convoca ao Conselho de Ética.
À medida que as provas vão sendo divulgadas, cria-se na opinião pública um clamor pela punição do senador que dificilmente poderá ser ignorada tanto pelo Supremo quanto pelo Senado.
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