A ideia de “processo”, presente na história das eleições presidenciais
brasileiras —em maior ou menor grau— há mais de duas décadas, sofreu um
abalo na sucessão de Dilma Rousseff. Na disputa atual, a previsibilidade
entrou em crise. Quem dita o ritmo é o “de repente.” O repentino já deu
o ar de sua (des)graça três vezes. Ele invade a cena sempre coligado
com os interesses de Marina Silva, subitamente convertida na principal
ameaça ao projeto re-re-reeleitoral do PT.
A coisa começou a ficar esquisita para Dilma no ano passado. No início
de 2013, ela chefiava um governo de muito sucesso. Pesquisa Datafolha
divulgada em março do ano passado informou que 65% dos brasileiros
aprovavam sua gestão. Na primeira semana de junho, a taxa havia recuado
um pouco, mas ainda situava-se no confortável patamar de 57%.
De repente, a rapaziada foi ao asfalto. Nascida de um arrulho contra os
centavos adicionados no preço das tarifas de transportes urbanos, a onda
de protestos converteu-se num berro que ecoou por todo país,
infernizando os políticos e atomizando o prestígio dos governantes. Num
intervalo de três semanas, o pretígio de Dilma despencou 27 pontos. Ela
jamais seria a mesma.
No final de junho de 2013, o percentual de brasileiros que consideravam o
governo bom ou ótimo ruiu de 57% para 30%. Foi a maior queda de um
presidente entre uma pesquisa e outra desde 1990, quando Fernando Collor
decretara o confisco da poupança. Entre março e junho daquele ano, o
tombo fora de 35 pontos —de 71% para 36%.
Os protestos de junho roeram também a taxa de intenção de votos de
Dilma. Como num sorvo de gigante, as ruas engoliram 21 pontos
percentuais. No cenário que parecia mais provável à época, Dilma caíra
de 51% para 30% em três semanas. Marina Silva, que ainda guerreava para
fundar sua Rede, subira de 16% para 23%. Aécio Neves ascendera de 14%
para 17%. E Eduardo Campos oscilara de 6% para 7%.
Se a eleição ocorresse naquele momento, Dilma e Marina mediriam forças
num até então insuspeitado segundo turno. O Datafolha farejara, de
resto, um surto de desalento. O índice de eleitores sem candidato
saltara de 12% para 24%.
Decorridos quatro meses, a Justiça Eleitoral negou registro ao novo
partido de Marina. Lula, o PT e o Planalto apontaram os fogos para o
alto. Preparavam-se para soltá-los quando, de repente… Em menos de 48
horas, Marina surpreendeu a todos, acomodando seu potencial de votos sob
uma inexpressiva candidatura presidencial de Eduardo Campos.
Para estupefação até do próprio Campos, Marina exibiu um desprendimento
inusual na política. Três vezes maior nas pesquisas do que o
ex-governador de Pernambuco, a mandachuva da Rede se dispôs a abrir mão
do sonho presidencial. Atribuindo ao PT o indeferimento do registro do
seu partido, ela falou em “ameaça à democracia”. E quis dar uma resposta
à altura.
Ao perceber que o “de repente” lhe presenteara com uma vice de
mostruário, Eduardo Campos entregou a Marina tudo o que ela pediu: o
reconhecimento de que a Rede Sustentabilidade já era um partido, o
compromisso de elaborar uma plataforma conjunta e a conversão do seu PSB
em abrigo temporário para Marina e sua tribo até que a Justiça
Eleitoral liberasse a certidão de nascimento da nova legenda.
Imaginou-se que estava inaugurada a terceira via. Engano.
O tempo passou. E a a transfusão do prestígio de Marina para Campos não
ocorreu. Com uma vice de luxo, o presidenciável do PSB patinava no
acostamento, abaixo dos 10%. Aécio alcançara o patamar de 20%. Porém,
numa soma que incluía o Pastor Everaldo, presidenciável nanico do PSC,
as três principais forças da oposição somavam 31% no Datafolha do mês
passado. Dilma tinha 36%.
Quer dizer: o pedaço do eleitorado que fazia cara de nojo para a
reeleição da presidente torcia o nariz também para a eleição dos
antagonistas dela. Até cinco dias atrás, Aécio imaginava que Campos
seria a escada que o levaria ao segundo turno. E Dilma equipava-se para
usar o tempo colossal de propaganda de que dispõe no rádio e na tevê
para “dar um salto''. De repente…
A tragédia se imiscuiu na disputa com a pretensão de revogar o já
ocorrido e começar tudo de novo. A morte prematura de Eduardo Campos, no
frescor dos seus recém-completados 49 anos, devolveu Marina —sempre
ela— ao centro do palco. Conforme já comentado aqui, a morte de Campos deu à luz, finalmente a terceira via, tão ansiada por uns quanto temida por outros.
De acordo com o Datafolha levado às manchetes nesta segunda-feira (18),
Marina Silva, agora com 21% das intenções de voto, retorna à disputa na
segunda colocação. Está um ponto à frente de Aécio Neves (20%),
tecnicamente empatada com ele. Dilma amealhou 36%. Potencializou-se a
hipótese de uma eleição em dois turnos.
Na simulação do segundo round, Marina aparece à frente de Dilma. Se a
eleição fosse hoje, a ex-vice de Eduardo Campos prevaleceria sobre a
candidata de Lula por 47% a 43%. Numa disputa direta com Aécio, Dilma
venceria com uma margem de oito pontos: 47% a 39%. Ou seja, Marina virou
um risco duplo. Ela ameaça tirar Aécio do turno final e arrancar Dilma
da poltrona de presidente.
Neste novo Datafolha, Marina não tirou eleitores de Dilma nem de Aécio.
Ambos ficaram do mesmo tamanho que tinham no mês passado. Trocando em
miúdos: Marina se reposiciona em cena carregada nas costas por aquele
pedaço do eleitorado que se queixava de não ter em quem votar. De
repente, a turma que roncou nas ruas passa a enxergar na vice de cinco
dias atrás uma ótima versa. A menos de dois meses da eleição, nada está
definido. Mas de repente…
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