Por Ayrton Maciel*
A histórica posição diplomática do Brasil de não envolvimento em assuntos internos de outros países – alinhados ideologicamente ou não – e de respeito à independência, soberania territorial e à autonomia política está sendo enterrada, gradualmente, pelo presidente Jair Bolsonaro e seus filhos parlamentares e pela condução “aloprada” do Itamarati pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Uma posição de autodeterminação e neutralidade – mesmo com seu consolidado compromisso ocidental – sempre respeitada e admirada na Organização das Nações Unidas (ONU), tanto que o Brasil abre a anual Assembleia-Geral da ONU desde 1947, a segunda reunião da entidade.
Quem podia ser um reflexo de luz no mar de insensatez do governo federal, o vice-presidente Hamilton Mourão – um general de Exército que teve formação sobre história e política internacional nas academias militares -, prefere abrir mão da sua autonomia para se associar a erros grotescos da diplomacia, numa subserviência aos ideólogos da família Bolsonaro. Repete, assim, Mourão, gesto do ministro da Saúde e também general, Eduardo Pazuello, na crise sanitária provocada pela Covid-19: “ele manda (Bolsonaro) e eu obedeço”. Tudo tão estranho nestes dois recentes anos, nos quais os absurdos se sucedem, que não surpreende mais, apenas espanta e deixa a expectativa de “qual vai ser o próximo?”
Eleito em 2018, Bolsonaro e seus ideólogos optaram por aprofundar o confronto que internamente divide o país e acumpliciar-se a Donald Trump, presidente dos EUA, recém derrotado nas urnas. Após a vitória de 18, Bolsonaro prosseguiu com hostilidades à Venezuela e a candidatos presidenciais de países vizinhos que não se alinham à sua extremada ideologia de direita. Até o momento, não cumprimentou publicamente pela vitória a Alberto Fernández, da Argentina, Luiz Arce (Bolívia) e Joe Biden, dos EUA. Pior que a deselegância autocrática – sob a falsa ilusão de poder pessoal e de potência militar do país – está a instigação ao conflito com nações com as quais o Brasil tem tradicionais e pacíficas relações políticas e comerciais, postura que visa a atender interesses impatrióticos.
Primeiro, o governo reteve dois cargueiros iranianos com carregamento de milho, no porto de Paranaguá (PR) – o STF teve que mandar a Petrobras abastecer e liberar -, sob o argumento de que o Irã sofre embargo comercial dos EUA. Veio o confronto com o presidente francês, Emannuel Macron, por causa das queimadas na Amazônia, que o levou a insultos ao próprio Macron e à sua esposa, via rede social. Em seguida, atrito com a Noruega e a Alemanha, que abandonaram o investimento no Fundo Amazônia, em razão do descompromisso brasileiro com o meio ambiente. Aliás, Bolsonaro – por não respeitar o Acordo de Paris – é a razão da União Europeia se negar a assinar o acordo de livre comércio com o Mercosul, prejudicando a agenda econômica do Brasil e da América do Sul.
Histórico principal aliado ideológico do Brasil, os EUA estiveram na mira da fúria do presidente Jair Bolsonaro. Insatisfeito com a vitória de Joe Biden, a quem ainda não cumprimentou, e ao abordar – em reunião aleatória – as ameaças de punição comercial do eleito presidente norte-americano ao Brasil, em represália à política antiambiental para a Amazônia, Bolsonaro avisou que a questão “não se resolve só com diplomacia, mas também com pólvora”. Dá pra rir. Na visão do Brasil presidencial atual, 200 países no mundo não são suficientes para dar conta do seu poder (não do nosso). Isso faz lembrar as velhas brigas da infância, quando um se volta para os rivais e desafia: “vem, vem! Vem um por um”.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991. Escreve aos domingos para o blog Falou e Disse.
*Foto: bbc.com
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