Bela reportagem de Paulo Emílio, no PE-247:
O dia de ontem não foi apenas o marco da proclamação da
República. No dia 15 de novembro também se comemora o aniversário de 74 anos
daquele que é considerado “o melhor pior time do mundo”, o pernambucano Íbis
Sport Club. Famoso pelas centenas de derrotas e por campanhas que deixariam
doente qualquer torcedor de outro time que não seja do “Pássaro Preto”, o Íbis
conta com uma torcida fiel até do outro lado do planeta (existem torcedores até
no Japão), justamente por ter conquistado esta fama que deixou o clube na
esteira dos times mais famosos do Brasil e do mundo. Mas esta situação de ser o
eterno “lanterninha” parece estar mudando lentamente, talvez para não assustar
a torcida. Agora, em 2012, o time acabou em 12º lugar na Série A2 do Campeonato
Pernambucano, que contou com 15 equipes na disputa. Independente de ganhar ou
perder, o fato é que o Íbis é um dos times mais lembrados do país, ou será que
você nunca ouviu falar do clube?
Fundado
em 15 de novembro de 1938 por trabalhadores do setor de tecelagem e algodão, o
Íbis ganhou o seu primeiro título após dez anos de sua fundação, em 1948. Mas
no início da década seguinte conseguiu a façanha de perder 14 dos 16 jogos do
campeonato estadual de 1950. Mas nem só de derrotas inglórias vive o Pássaro
Preto. Para quem não sabe, o clube foi o campeão do Torneio Início em duas
ocasiões: 1948 e 1950. O time também saiu vencedor do Torneio Incentivo em 1975
e 1976, além de ser Campeão Pernambucano de Juniores em 1948 e 1995. Mas a
maior glória veio em 1999, quando ficou com o vice campeonato da Série A2 do
certame estadual, o que o levou à primeira divisão do Pernambucano. Mas a
alegria durou pouco, já que logo em seguida foi rebaixado e teve que retornar à
segunda divisão.
E
foi assim, como que seguindo o dito popular que “por cima de queda vem coice”,
que o Íbis ganhou a fama que fez e faz a mística da camisa vermelha com listras
negras. Um levantamento realizado em 2005 apontou que em 1.064 partidas
disputadas, o time pernambucano conseguiu a proeza de vencer apenas 137 jogos,
empatar 145 e perder os demais 782 jogos. A marca de pior time do mundo, porém,
veio na década de 80, quando passou exatos três anos sem alcançar nenhuma
vitória e chegou a registrar onze derrotas seguidas.
NO LIVRO DOS RECORDES - Nesta
época, o Pássaro Preto participou de 55 jogos, onde alcançou a marca de 48
derrotas e sete empates. A façanha foi reconhecida pelo Livro dos Recordes, o
Guinness Book, e o clube foi alvo de matérias de revistas de circulação
nacional, como Veja e Placar, que acabaram resultando no título de “pior time
do mundo”.
É
também deste período que vem o jogador mais famoso que já vestiu a camisa do
Pássaro Preto, o centro avante Mauro Shampoo. Em dez anos de carreira, ele
atuou no Íbis entre 1980 e 1990, ele se destacou por ter feito apenas um gol.
Não, você não leu errado. Foi exatamente um único gol em dez anos de futebol
profissional. Como o Íbis nunca teve muitos recursos à sua disposição, Mauro
Shampoo – que tem um filho e uma filha filhos conhecidos como Shampoo Júnior e
Creme Rinse - complementava a renda como cabelereiro. Vem daí a alcunha que o
acompanha desde então. Em seu salão, o Íbis sempre marcou presença e acabou
virando uma jogada de marketing. Ali, os telefonemas eram e ainda são atendidos
com a frase “Bom dia, Salão de Beleza de Mauro Shampoo, Jogador do Íbis,
Cabelereiro e Homem", afastando assim qualquer comentário maldoso a
respeito da sua profissão fora dos campos.
E se Mauro Shampoo soube fazer
marketing pelo fato de jogar no pior time do mundo, o Íbis também usou Mauro
Shampoo para se promover. Simpático, falante, admirado e amado pelos
apaixonados por futebol em Pernambuco, o antigo centro avante já participou de
programas de peso da televisão, como Jô Soares e Luciano Huck, e ganhou até um
filme sobre a sua história de vida. Como quase tudo gira principalmente em
torno de sua atuação no Íbis, o Pássaro Preto acaba voando alto no marketing
desenvolvido pelo “ Jogador do Íbis, Cabelereiro e Homem".
JÁ
FOI PIOR - Mas, segundo o presidente do time, Ozir Ramos, a situação atual é
bem diferente daquela que tascou a pecha pela qual o clube ficou conhecido. “Já
fomos o pior, hoje não somos mais. E provo isto. Dos 15 times que disputaram a
segunda divisão estadual deste ano, acabamos ficando com a 13º colocação. Temos
o terceiro artilheiro da Série A2 e não estamos mais no Livro dos Recordes.
Então não sou o pior time do mundo. Mas é como prega o ditado, pegou fama agora
deite na cama”, diz Ozir. Nesta edição do campeonato o Íbis conseguiu repetir
um feito histórico vencendo quatro jogos seguidos. A última vez em que isso
aconteceu foi registrada doze anos atrás.
Apaixonado pelo clube da cidade de
Paulista, localizada na Região Metropolitana do Recife, ele banca parte dos
custos para manter a equipe com recursos do próprio bolso. Segundo Ozir,
somente as despesas com a folha de pessoal giram entre R$ 15 mil e R$ 20
mil mensais e a renda obtida pelos dois patrocinadores locais – Base Máquinas e
Sendcal – é de apenas R$ 10 mil. A diferença é coberta com o dinheiro da
gráfica que possui na capital pernambucana. A média salarial dos jogadores é de
um salário mínimo. A quem interessar, Ozir diz que o Íbis está aberto a ampliar
o número de patrocinadores. “Somos uma vitrine. Somos conhecidos em todo o país
e até no exterior. As possibilidades são imensas para quem tiver visão de
mercado”, observa.
Além
de contar com torcedores e simpatizantes em países como o Japão, por exemplo,
até mesmo “cópias” do Pássaro Preto foram criadas em outros países. Em
Portugal, mas especificamente em Lisboa, existe um clube de futebol amador
batizado de Íbis Sport Club de Lisboa que há cerca de 15 anos pediu autorização
oficial para poder usar o nome e o padrão adotado pela matriz pernambucana.
Estes pontos são apontados por Ozir como vantagens para as empresas que
queiram patrocinar o time.
“Quem
conhece o Íbis se apaixona e é fiel. É como um vício. O Pássaro Preto impregna
no sangue da gente. É uma espécie de família, é sinônimo de lealdade. Tanto que
não temos problemas com relações trabalhistas de nenhuma espécie e nem dívidas.
O dinheiro é curto, mas fora um débito com o INSS que nem é muito grande,
todo mundo é registrado , tudo certinho. Todo mundo tem um carinho enorme pelo
Íbis, sejam os jogadores, a nossa torcida ou mesmo a torcida de outros times. É
uma paixão que vai além de qualquer coisa que se possa imaginar”, afirma o
dirigente.
UM
FIEL TORCEDOR - E neste ponto é que o Íbis se destaca. Quando entra em
campo, o clube coloca uma média de público que costuma variar entre 800 e mil
pessoas. Além da grande massa de torcedores anônimos, o íbis também possui
simpatizantes ilustres, como o já falecido ex-governador Miguel Arraes e o
ex-senador Marco Maciel, entre outros. Nada mal para um time que não possui
estádio próprio e que depende da boa vontade dos campos de outros municípios
para poder treinar e jogar. Mesmo acumulando derrotas e com a pecha de pior
time do mundo, o amor pelo Pássaro Preto parece não ter fim e rende histórias
como a do taxista Francisco Imperiano, mais conhecido como Chico do Íbis,
considerado o mais fiel torcedor que o Íbis já teve.
Em um jogo contra o Santa Cruz, um dos
três maiores clubes pernambucanos e que se arvora de ter a torcida mais
apaixonada do Brasil, Chico era um dos poucos torcedores do Íbis presentes ao
campo. Do outro lado, uma pequena multidão torcendo pelo “Santinha”.
Chico gritava, xingava e impulsionava o time de tal forma que acabou chamando a
atenção da torcida rival. E o pior aconteceu... Gol do Íbis. Mais alegre que
pinto no meio do lixo, Chico começou a provocar os adversários. Enraivecida, a
turba partiu para lhe cobrir de porrada em um verdadeiro linchamento. Foi
quando o inesperado aconteceu.
“O
líder da torcida do Santa Cruz era um preto forte pra caramba, imenso mesmo,
chamado de Pantera. Pois o Pantera saltou na frente da galera, colocou o Chico
atrás dele, se armou para a confusão e disse algo assim: Vocês deveriam eram
ter vergonha. Um torcedor só fez tudo o que a gente não fez. Para bater nele
vão ter que bater em mim primeiro. Se vocês matarem o único torcedor do Íbis
como é que vai ser daqui pra frente?”, relembra Ozir. A multidão se
dispersou logo em seguida e Chico somente veio a falecer muitos anos
depois.
E é assim de
jogo em jogo que a torcida do melhor pior time do mundo segue em frente,
fazendo do trecho do hino do clube onde se canta “A nossa torcida é fiel e organizada
Na geral e arquibancada, Vai vibrar de
emoção, Quem espera sempre alcança, A nossa esperança, É ver o Íbis campeão”, uma espécie de mantra de
maneira a sonhar com o dia em que o Pássaro Preto alçará voo rumo ao topo da
tabela dos campeonatos estaduais.
(Texto e fotos do Portal Brasil 247, à exceção do título principal).
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