É impressionante como dos discursos constroem nos constroem. Um bom exemplo disso é a série Dercy de Verdade. Até o presente momento, eu tinha apenas a imagem de uma mulher desbocada, que a cada dez palavras, uma era um palavrão. No entanto, essa série nos apresenta uma mulher sofredora, batalhadora, corajosa e vencedora.
Será se tudo realmente aconteceu como a série mostra? Vai saber. As histórias das pessoas, na verdade, são versões. E você poderá conhecer versões contraditórias sobre o mesmo acontecimento ou indivíduo.
Alguns afirmam que nós somos aquilo o que os outros pensam. Se nos acham generosos e pacíficos, é isso que somos. Se nos acham arrogantes e egoístas, é isso que somos. Cada pessoa pode entender ou interpretar de maneira diferente a mesma palavra, o mesmo gesto, o mesmo ocorrido. Eu posso interpretar que você ajudou crianças carentes por que é alguém que se preocupa com o próximo. Mas também posso entender que você fez isso com a intenção de aparecer, visando um status social. Quando você diz que ama alguém, ele poderá se comover com tal palavra, pensando ser real seu sentimento. Mas também poderá colocar na balança possíveis coisas que você tenha feito ou dito, e concluir que o que você disse foi da boca pra fora. Se você vive mergulhado nos livros, será um intelectual aos olhos de alguns, mas um louco, aos olhos de outros. Se alguém for contar nossa história, ela virá carregada de pressupostos.
Nos livros de História temos a história do Brasil, decorada, pronta pra consumo. Mas quem contou essa história? Se os escravos ou os índios tivessem escrito nossa história, seria ela como a conhecemos? Teríamos Pedro Álvares no centro das atenções? O Brasil teria sido “descoberto” em 1500? O mais coerente a se pensar é que nossa história seria bem diferente.
Hitler foi um assassino insano. Ao menos é isso que muitos pensam. Você tem a versão da história em que um homem atira milhões de judeus em campos de concentração para morrerem de fome, fuzilados ou nas câmaras de gás. Você também tem a versão do homem pobre, sem apoio, mas com muita lábia e personalidade se torna líder de uma Alemanha em ruínas e a transforma numa das maiores potências mundiais.
No campo religioso e político essas “versões” estão muito presentes. Para os judeus, o Messias ainda não veio. Para os muçulmanos, Jesus foi apenas um profeta. Para muitos historiadores, não há evidências históricas que Jesus realmente existiu. Para os cristãos, Jesus existiu, é o filho de Deus que morreu e ressuscitou ao terceiro dia. Qual dessas versões é a verdadeira? Essa é uma boa pergunta. Apenas uma pode ser verdadeira, ou talvez, todas estejam erradas. Você já ouviu alguém dizer que nem Jesus agradou a todos?
O ilustre Inácio Lula da Silva é outro bom exemplo. Percebeu que eu o chamei de ilustre? Mas quando o chamo de ilustre, estou sendo irônico ou foi um elogio? Quem sabe? Nas entrelinhas, nossos pressupostos podem se mostrar.
Pra muitos, o Bolsa Família é uma ajuda, uma válvula de escape pra quem vivem em condições precárias. Pra outros, o Bolsa Família é apenas uma forma de domar o povo, já tão manso e adestrado. Já ouvi alguns dizendo que o Bolsa Família colocou comida na mesa dos pobres. Como também ouvi alguns dizendo que serviu apenas pra comprar um restinho de senso crítico que ainda restava. Claro, você ouvirá inúmeras versões pra o mesmo assunto!
Você que está lendo esse texto, pode está discordando de tudo e me achando um estúpido ignorante. Como pode concordar e achar minhas colocações inteligentes.
Há um velho e atual ditado que diz: “cada um puxa a sardinha pra sua brasa”.
(Por Carlos Wilker)
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