Estudo registra 400 mil casos de violência sexual em apenas um ano. 1.095 congolesas são estupradas por dia - 45 por hora.
Reportagem de Adriana Carranca, Enviada Especial, República Democrática do Congo
Fontes: O Estado de S.Paulo, Reuters , "thepassiranews"
Em um leito do hospital de Masisi, na conturbada Província de Kivu do Norte, dominada por rebeldes, K.S., de 33 anos, não consegue olhar para o filho recém-nascido. O bebê faz parte de uma geração perdida no rastro dos conflitos na República Democrática do Congo, ex-Zaire: os filhos de estupros. O crime ocorre no país mais do que em qualquer outro lugar do mundo.
O estudo mais recente, da Associação Americana de Saúde Pública, divulgado em 2011, registrou 400 mil estupros de mulheres, de entre 15 e 49 anos, em um ano.
Isso significa que 1.095 congolesas foram estupradas por dia - 45 por hora. Num país como o Congo, de proporções continentais e infraestrutura precária que impede o acesso às regiões mais remotas, é difícil obter números confiáveis. Nos vilarejos do leste, porém, ainda mais difícil é encontrar mulheres que não tenham uma história de violência sexual para relatar.
Uma delas, de 30 anos, tentou oferecer tudo o que tinha - 1.000 francos congoleses (US$ 1) - a rebeldes do M23 quando eles a encontraram na mata, após ela ver seu marido ser morto com um tiro em um ataque contra o vilarejo de Kabizo, na região de Rutshuro, mas eles não queriam seu dinheiro. A chacina de homens e os estupros de mulheres se tornaram armas de guerra no Congo. Servem para demonstrar força e humilhar o oponente ao dominar e massacrar populações de sua etnia.
K.S. estava a caminho de Kitchanga, no território disputado por rebeldes tutsis, hutus e hundes, quando um grupo cruzou o seu caminho. Ela foi forçada a seguir com eles e a testemunhar o ataque contra seu próprio vilarejo, quando mataram os homens com facões - seu marido, entre eles. Na base dos rebeldes, foi amarrada com cordas entre duas árvores e estuprada durante três semanas, até conseguir fugir com a ajuda de uma das mulheres do campo - os grupos rebeldes mantêm mulheres para funções como cozinhar e cuidar de crianças sequestradas que se tornarão soldados.
Neste momento o general de Divisão brasileiro, Carlos Alberto dos Santos Cruz , comanda uma missão de paz, da ONU, chamada “Monusco”, na República Democrática do Congo. A frente de uma tropa de mais de 20 mil capacetes azuis, comanda uma "Brigada de Intervenção" com a tarefa de tentar restituir a paz no país.
*Acrescentamos subtítulo, fotos e legendas a publicação original. Informamos que as fotos constante do post são ilustrativas, embora mostre mulheres congolesas vitimadas, não tem conexão direta com a reportagem.
O estudo mais recente, da Associação Americana de Saúde Pública, divulgado em 2011, registrou 400 mil estupros de mulheres, de entre 15 e 49 anos, em um ano.
Isso significa que 1.095 congolesas foram estupradas por dia - 45 por hora. Num país como o Congo, de proporções continentais e infraestrutura precária que impede o acesso às regiões mais remotas, é difícil obter números confiáveis. Nos vilarejos do leste, porém, ainda mais difícil é encontrar mulheres que não tenham uma história de violência sexual para relatar.
Uma delas, de 30 anos, tentou oferecer tudo o que tinha - 1.000 francos congoleses (US$ 1) - a rebeldes do M23 quando eles a encontraram na mata, após ela ver seu marido ser morto com um tiro em um ataque contra o vilarejo de Kabizo, na região de Rutshuro, mas eles não queriam seu dinheiro. A chacina de homens e os estupros de mulheres se tornaram armas de guerra no Congo. Servem para demonstrar força e humilhar o oponente ao dominar e massacrar populações de sua etnia.
K.S. estava a caminho de Kitchanga, no território disputado por rebeldes tutsis, hutus e hundes, quando um grupo cruzou o seu caminho. Ela foi forçada a seguir com eles e a testemunhar o ataque contra seu próprio vilarejo, quando mataram os homens com facões - seu marido, entre eles. Na base dos rebeldes, foi amarrada com cordas entre duas árvores e estuprada durante três semanas, até conseguir fugir com a ajuda de uma das mulheres do campo - os grupos rebeldes mantêm mulheres para funções como cozinhar e cuidar de crianças sequestradas que se tornarão soldados.
A riqueza dos detalhes que as mulheres dão e a quantidade que chega aos hospitais com infecções, suspeita de gravidez ou de contaminação pelo vírus HIV após os estupros não deixam dúvidas de que essa não é uma tragédia fabricada.
Em 2012, os centros de saúde em Kivu do Sul, uma das 11 províncias do Congo, registraram o atendimento de pelo menos 40 mulheres por dia vítimas de estupro, em 2012, segundo relatório do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. Destas, um terço era de crianças, 13% das quais menores de 10 anos.
Esses são somente os casos que puderam ser registrados. "É muito difícil para as mulheres admitir que foram estupradas, porque elas têm vergonha e podem ser excluídas", diz Maman Agathe Farini, que cuida de grávidas de risco. Como as distâncias são longas e o atendimento de emergência é dificultado por estradas precárias, elas passam os últimos três meses na casa, com 76 leitos, em um anexo do hospital de Masisi, mantido pela organização Médicos Sem Fronteiras.
Maman perdeu seu filho, de 25 anos, em um ataque e foi testemunha de dezenas de outros. No último deles, em dezembro, viu rebeldes em uma área perto do hospital. Depois, ajudou a recolher os corpos. "Eles estupraram as mulheres. Das grávidas, cortaram a barriga com facões, os bebês mortos lá dentro. As que sobrevivem a um ataque como esse não querem mais ver um homem. Se engravidam (dos estupradores), não querem ver a criança, não querem alimentá-la. Muitas tentam abortar em casa. Tomam chá de ervas, usam galhos, porque, no Congo, isso é ilegal."
K.S. tentou abortar, mas, quando descobriu a gravidez, já era tarde.
Em 2012, os centros de saúde em Kivu do Sul, uma das 11 províncias do Congo, registraram o atendimento de pelo menos 40 mulheres por dia vítimas de estupro, em 2012, segundo relatório do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. Destas, um terço era de crianças, 13% das quais menores de 10 anos.
Esses são somente os casos que puderam ser registrados. "É muito difícil para as mulheres admitir que foram estupradas, porque elas têm vergonha e podem ser excluídas", diz Maman Agathe Farini, que cuida de grávidas de risco. Como as distâncias são longas e o atendimento de emergência é dificultado por estradas precárias, elas passam os últimos três meses na casa, com 76 leitos, em um anexo do hospital de Masisi, mantido pela organização Médicos Sem Fronteiras.
Maman perdeu seu filho, de 25 anos, em um ataque e foi testemunha de dezenas de outros. No último deles, em dezembro, viu rebeldes em uma área perto do hospital. Depois, ajudou a recolher os corpos. "Eles estupraram as mulheres. Das grávidas, cortaram a barriga com facões, os bebês mortos lá dentro. As que sobrevivem a um ataque como esse não querem mais ver um homem. Se engravidam (dos estupradores), não querem ver a criança, não querem alimentá-la. Muitas tentam abortar em casa. Tomam chá de ervas, usam galhos, porque, no Congo, isso é ilegal."
K.S. tentou abortar, mas, quando descobriu a gravidez, já era tarde.
Entre 9% e 10% das mortes de mulheres no Congo é causada por abortos ilegais, a maioria por vítimas de estupros. Se nascem, as crianças serão abandonadas, excluídas do convívio social ou até assassinadas.
Em razão do componente étnico do conflito, aos olhos da comunidade, os filhos de estupros se tornam automaticamente um "interahamwe" - referência à milícia hutu responsável pelo genocídio de tutsis em Ruanda, que se refugiou nas matas do vizinho Congo após o massacre. São vistos como inimigos.
"É nesse ambiente de trauma que estão crescendo as crianças do Congo e isso é preocupante, porque já se percebe mudanças nos valores da sociedade", diz a psiquiatra Audrey Magis, da ONG Médicos sem Fronteiras, especialista em stress pós-traumático, com experiência em países como Síria, Líbia, Egito e territórios palestinos.
"Nós fizemos campanha para que as mulheres procurassem atendimento médico após um estupro para evitar a aids. Então, hoje, elas nos procuram, mas chegam com questões práticas, como quanto tempo devem deixar de fazer sexo com o marido, porque não querem contar a eles que foram estupradas. A violência que sofreram, em si, parece ter menos impacto. São tantas mulheres violentadas que se tornou rotina."
Em razão do componente étnico do conflito, aos olhos da comunidade, os filhos de estupros se tornam automaticamente um "interahamwe" - referência à milícia hutu responsável pelo genocídio de tutsis em Ruanda, que se refugiou nas matas do vizinho Congo após o massacre. São vistos como inimigos.
"É nesse ambiente de trauma que estão crescendo as crianças do Congo e isso é preocupante, porque já se percebe mudanças nos valores da sociedade", diz a psiquiatra Audrey Magis, da ONG Médicos sem Fronteiras, especialista em stress pós-traumático, com experiência em países como Síria, Líbia, Egito e territórios palestinos.
"Nós fizemos campanha para que as mulheres procurassem atendimento médico após um estupro para evitar a aids. Então, hoje, elas nos procuram, mas chegam com questões práticas, como quanto tempo devem deixar de fazer sexo com o marido, porque não querem contar a eles que foram estupradas. A violência que sofreram, em si, parece ter menos impacto. São tantas mulheres violentadas que se tornou rotina."
Foto: Spencer Platt/Getty Images
A brutalidade faz com que algumas vítimas, por trauma, fiquem momentaneamente com paralisias, cegueira e surdez
A brutalidade faz com que algumas vítimas, por trauma, fiquem momentaneamente com paralisias, cegueira e surdez
Os efeitos do trauma só são conhecidos mais tarde, na forma de uma doença que já não é vista no Ocidente: histeria, um tipo complexo de neurose causada por um problema emocional que se manifesta em sintomas físicos como dores e até paralisia, cegueira e surdez.
K.S. tem pesadelos constantes, em que sonha ainda estar em posse dos rebeldes.
Desperta com os próprios gritos, encharcada de suor, Ao acordar, só consegue ver no filho a materialização de seu tormento.
K.S. tem pesadelos constantes, em que sonha ainda estar em posse dos rebeldes.
Desperta com os próprios gritos, encharcada de suor, Ao acordar, só consegue ver no filho a materialização de seu tormento.
Neste momento o general de Divisão brasileiro, Carlos Alberto dos Santos Cruz , comanda uma missão de paz, da ONU, chamada “Monusco”, na República Democrática do Congo. A frente de uma tropa de mais de 20 mil capacetes azuis, comanda uma "Brigada de Intervenção" com a tarefa de tentar restituir a paz no país.
*Acrescentamos subtítulo, fotos e legendas a publicação original. Informamos que as fotos constante do post são ilustrativas, embora mostre mulheres congolesas vitimadas, não tem conexão direta com a reportagem.
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